A controvérsia instala-se. De um lado os defensores da saída de bola longa, do outro os defensores da saída de bola curta. Seja nos pontapés de baliza, seja na sequência de livres favoráveis ainda nas imediações da nossa grande área, a verdade é que as saídas de bola são um dos comportamentos técnico-táticos mais controversos do mundo do futebol.
Há quem considere um risco sair a jogar curto desde trás e, fruto desse entendimento, prefira mandar avançar as linhas, indicando ao seu guarda-redes uma reposição de bola através do pontapé longo para uma determinada referência, seja ela zonal (zona do terreno onde o adversário ganha menos duelos aéreos, por exemplo), seja ela individual (procura do melhor cabeceador ou do jogador mais alto, para que este possa “pentear” a bola e solicitar a entrada de jogadores vindos de trás).
Respeito essa opção, seja porque o treinador considera a sua linha defensiva incapaz de sair a jogar curto com qualidade e/ou sob pressão, seja porque, mesmo havendo qualidade, prefira não se expor ao risco. Respeito, mas relembro que um dos deveres do treinador é potenciar os seus jogadores e dotá-los de mais e melhores “armas” para o presente e para o futuro. Independentemente do patamar competitivo e dos objetivos do clube, um treinador deve fazer com que os seus jogadores melhorem e terminem a época com mais capacidades do que quando começaram.
No pólo oposto, há quem considere que a saída de bola longa, por mais trabalhada que seja, um risco ainda maior. Como muitos já afirmaram, quando a bola está no ar nunca existe a certeza de quem a vai ganhar. Surge então o jogo de “primeiras e segundas bolas” que, por vezes, mais parece uma partida de matraquilhos. Uma espécie de jogo que não garante domínio nem controlo a qualquer uma das equipas, pois nem sempre é possível vencer todos os duelos aéreos.
Sendo certo que, de ambos os lados, existem razões e argumentos válidos para sustentar as preferências e opções de cada um, a verdade é que todos nós somos influenciados por aquilo que somos e por aquilo que experienciamos ao longo da vida (e da carreira) enquanto jogadores e treinadores.
Por experiência própria, enquanto jogador tenho de admitir que a formação como médio centro e médio ofensivo foi determinante para muito do que defendemos e procurámos implementar enquanto treinei. Ter tido treinadores que perceberam a importância de termos mais bola do que o adversário também foi muito importante, pois começou aí o processo de identificação que anos mais tarde veio a ser a base de muitas das ideias que levámos a cabo durante uma década de treino.
Daí termos optado sempre pela saída de bola de curta e apoiada. Por uma questão de crença e convicção. Por uma questão de marca de trabalho também. Embora a tarefa fosse difícil, acreditávamos ser possível ajudar os jogadores a desenvolver novos skills, desde a leitura de jogo ao rodar do pescoço, passando pela orientação dos apoios e pela cabeça levantada, entre outros pormenores. Tudo isso assente em posicionamentos que permitissem e privilegiassem comportamentos associativos, os quais iriam fomentar uma viagem conjunta, segura e equilibrada (quer no momento ofensivo, quer no momento de reação à perda).
Foi por isso que decidimos apostar nas saídas curtas e apoiadas desde trás. Independentemente do adversário pressionar mais alto e de forma zonal (1º vídeo), do adversário permitir a saída de bola por se encontrar em bloco médio-baixo (2º vídeo) ou do adversário querer condicionar a saída com marcação HxH (3º vídeo). Independentemente de partirmos do 1x4x1x3x2 (1º vídeo), de partirmos do 1x4x3x3 (2º vídeo) ou de partirmos do 1x3x4x1x2 (3º vídeo).
No meio de tantos fatores e tantas atenuantes que não conseguimos controlar durante um jogo de futebol, acreditámos sempre que devíamos apostar naquilo que era possível e passível de ser trabalhado para posteriormente poder vir a ser controlado.
O caminho para estes pequenos, mas orgulhosos momentos, foi longo e árduo. Por cada passe interior, por cada movimento de aproximação no timing certo, por cada contramovimento ou dinâmica do 3º homem houve perdas de bola em zonas comprometedoras, apoios mal orientados, passes desviados, receções que deram origem a contra-ataques e mais algumas dores de crescimento que fizeram e farão sempre parte do processo.
No final ficou e sobrou a certeza de que as saídas de bola curta e apoiada realmente nos protegiam e beneficiavam. Porque havia a certeza e a segurança de que estávamos a fazer aquilo que nos competia para evoluirmos individual e coletivamente. Porque sabíamos que o domínio e o controlo do nosso jogo assentavam neste género de saídas.
E embora todas as saídas de bola sejam válidas em futebol, no que diz respeito à escolha de cada um, o que importa é que a mesma seja coerente e congruente com as vossas ideias, com os vossos ideais e com as vossas ações. O resto é treino, é trabalho e será sempre futebol…
Licenciado em Comunicação Social, possuidor do Nível II (UEFA B), defensor acérrimo do Processo de Treino e eterno apaixonado pelo futebol ofensivo. Treinador Principal com dez anos de experiência de treino. Co-fundador do Futebol Apoiado. Colunista do ZeroZero.pt . “Romântico”, “lírico” ou “utópico”, consoante a ideologia defendida por cada um, mas acima de tudo um ser humano coerente, congruente e de convicções fortes inabaláveis.
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