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Psicologia do Desporto no Futebol: perto ou longe da Realidade?


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- Epá, já ouviste falar no novo psicólogo do clube? O quê que ele está aqui a fazer? Nunca o futebol teve psicólogos e agora são precisos?

- Está na moda, pá. Estes treinadores de agora não têm pulso nos miúdos, antigamente mandávamos uns berros e ou davam ou não davam jogadores! Agora até psicólogos têm de ter para se for preciso os miúdos «chorarem» um bocadinho. - comentaram eles.


Chama-se Realidade, de primeiro nome. O nome do meio é Ignorância e o apelido tratem-no por Resistência.

Então vamos pegar nesse nome do meio. É muito por culpa dele que existem tantos apelidos em relação à psicologia no mundo do desporto e do futebol. Eu mesma, cheguei ao terreno e tive de travar uma batalha de informação, que não seria suficiente se, à prática apoiada na ciência, não cuidasse da pertinência dessas mesmas práticas. Por vezes, não chega querer chegar e mudar tudo, se essa mudança só for percebida como importante para nós mesmos. É preciso estudarmos o contexto, as relações no contexto e as necessidades do local que humildemente nos recebe mas que também não sabe muito bem o que podemos fazer ali.

Quando percebem um pouco o papel da psicologia então não temos «mãos a medir». Passamos de dispensáveis a indispensáveis para tudo! Por vezes até mesmo para algo que poderia ser feito por outros.

- Olhe doutora, tenho ali um miúdo no treino a chorar, pode lá passar para falar com ele e ver o que se passa? Como se perguntar à criança fosse muito difícil para um treinador ou um diretor. Se calhar é por ser criança e falar uma linguagem que ninguém entende (só mesmo os psicólogos!). Se calhar é porque um treinador tem mais do que fazer do que deixar o adjunto a conduzir o treino e dirigir-se à criança e mostrar-se recetivo a ouvir. Se calhar é porque agora que se tem um psicólogo tem de se deixar alguma coisa para ele fazer (porque não sabemos o que ele pode fazer!). Se calhar é porque o treinador é só treinador e não é pessoa e o atleta é só atleta e não é criança e assim, tem de existir um psicólogo-pessoa que se preocupe com a criança-atleta.

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E se alguns treinadores são só treinadores, também existem treinadores que são psicólogos. Juro-vos!

-Um treinador é psicólogo. Até já temos formação nos cursos dos treinadores e tudo!

Fiquei muito perplexa, porque não sabia que a cadeira de metodologia de treino que tive fazia de mim treinadora (estou a brincar)! Mas o nome do meio, sabem? Ignorância. É esse que faz de qualquer pessoa um psicólogo e de qualquer psicólogo um treinador.

- Então afinal, o que faz um psicólogo do desporto?

Um psicólogo do desporto trabalha essencialmente no sentido de ajudar o atleta a otimizar a sua performance através do melhoramento das suas competências psicológicas ou mentais e na formação desportiva ajuda a criar as condições essenciais para promover o bem-estar psicológico e o desenvolvimento saudável enquanto atleta e criança/jovem, intervindo naquilo que chamamos de triângulo desportivo – treinador, atleta, pais - mas não se cingindo a esse triângulo; podendo abranger outros agentes desportivos a atuar no terreno – diretores desportivos, coordenador, dirigentes.

Resumidamente melhoramos a vida da pessoa ou das pessoas e com isso a vida dos atletas.

- Mas como é que um psicólogo faz isso?

Usando teorias e estratégias apoiadas pela ciência e metodologias próprias da psicologia. Em primeiro lugar, fazemos levantamento das necessidades ou atendemos a um pedido que nos é feito. Em segundo lugar, projetamos a avaliação para a necessidade que encontramos ou para o pedido. A avaliação deve ser multifontes. Sempre que possível, recolhemos informação de várias pessoas em contextos diferentes que contactam com o atleta adulto ou a criança atleta. E não nos cingimos a essas entrevistas e questionários. Em alguns casos, selecionamos um instrumento, devidamente validado, fiável e aferido para a população portuguesa cuidadosamente adequado à situação e à dimensão a avaliar. Em terceiro, a partir de toda a informação recolhida na fase de avaliação, projetamos a intervenção, com estratégias desenvolvidas e apoiadas em muitos anos de investigação. E vamos avaliando de forma intermédia e final os resultados da nossa intervenção.


Não somos pseudo-psicólogos. Não usamos apenas umas estratégias «milagrosas» ou aplicamos umas receitas de sucesso e brindamos os resultados (que não sabemos se foram fruto do acaso ou das estratégias).

Por vezes o nosso trabalho é aconselhar, reeducar e formar. E aí não chegam os discursos pré-feitos que se ouvem em todo lado. Nem chega o conhecimento. Se o conhecimento chegasse, podíamos ser todos o que quiséssemos, à velocidade e facilidade com que fazemos pesquisas na internet. E na realidade, para que seríamos necessários se qualquer um podia ler sobre liderança, motivação, comunicação e se tornar um «expert» destas matérias? É preciso competência. Nós, psicólogos, sabemos como usar esse conhecimento em prol das pessoas, situações e dos contextos que se nos apresentam porque somos formados, «treinados», orientados e supervisionados para isso.

É por isso que somos tão reservados e nunca dizemos em concreto, especificando pormenorizadamente, o que fazemos e como fazemos, nem podemos emprestar os nossos testes. Não existem receitas e o conhecimento nas mãos de quem não o sabe manusear pode ser uma arma letal.


Lamento desiludir-vos, mas uma conversa não chega (só chega para o Ego de quem acha que é um Deus e consegue tudo, como os pseudo-psicólogos); os resultados podem demorar a aparecer já que dependem da prática mental (efetivamente prática mesmo!); e não basta apenas visualizar o que acontece! É preciso trabalho e esforço (temos de avaliar os sistemas percetivo-sensoriais, estimular as vias subdesenvolvidas, estimular a prática aplicada às situações desportivas e ter um plano de treino ajustado a cada um, e claro, horas de prática mental com um objetivo e com método, não ao acaso!) …


O psicólogo do desporto trabalha. Não é uma estátua ao alto nos treinos e nas competições. Embora pareça, o amigo, diz algumas vezes o que precisam de ouvir e não aquilo que querem ouvir.

É o elo de ligação entre todos no terreno. Cuida de todos para que o Todo seja o melhor possível.

- Doutora estava a pensar que nas alturas críticas, e pré competitivas de relevo desta época, podia acompanhar de perto a equipa.

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Claro. Nessas e ao longo da época toda. O nosso trabalho também é preventivo, e não só focalizado quando um problema é identificado. É como uma vacina. (E as vacinas não podem ser administradas por todos, pois não? Apesar de todos podermos conhecer bem os vírus!) Sabemos quais são os vírus que geralmente atacam os atletas – falta de confiança, stress pré-competitivo, falta de objetivos ou objetivos desajustados, dificuldade na gestão de emoções, falta de autoconhecimento, dificuldades interpessoais e sociais com colegas de equipa ou treinador, dificuldade na conciliação do desporto com a escola ou trabalho, dificuldades na atenção e concentração, medos, inseguranças, dificuldade na recuperação de lesões… E também sabemos quais são os vírus que atacam os treinadores – dificuldade em conhecer as etapas do desenvolvimento das crianças, falhas pedagógicas, dificuldade de liderança, dificuldades na comunicação ao nível do conteúdo, forma, coerência e emoção da mensagem, dificuldade em gerir o erro e a falha, dificuldade em gerir o stress e a pressão, dificuldade em gerir a carreira, dificuldade em gerir a equipa e as suas dinâmicas...E também sabemos quais os vírus que atacam os pais, os dirigentes e outros agentes importantes do desporto e do futebol. E ao sabermos isso de antemão, vamos preparando as «vacinas», mesmo quando nenhum desses vírus parece estar no ativo.


O treino de habilidades psicológicas tem de ser sistemático e consistente para produzir resultados. Não é pela intervenção uma ou duas vezes, ou pelo acompanhamento em situações críticas da época que isso fará a diferença. Mas sim, pelo trabalho que se vai desenvolvendo sempre ao longo da época (apesar de que, por vezes, ou aceitamos esses trabalhos ou não temos trabalho nenhum!). Intervimos de forma direta e indireta. Não basta tomar a vacina. É preciso sempre cuidado adicional. E nesse aspeto, preparamos também "o terreno" de forma indireta para que esses vírus não ataquem, ou para que percam o seu poder perante algumas medidas adicionais adotadas por todos – treinadores, pais, atletas, diretores, fisioterapeutas, dirigentes...etc...


Ah, e lembram-se do primeiro nome? Da Realidade? Nós também somos essas pessoas, que chegam no terreno e mudam o nome do meio e o apelido, que à nossa passagem e presença passam de Ignorância e Resistência para Conhecimento e Aceitação.

E assim, nós, os psicólogos do desporto, vamos desbravando mais um pouco de campo e abraçando os atletas, os treinadores, os diretores, os dirigentes e todos os intervenientes do mundo desportivo e do futebol em particular que conhecem e acreditam no nosso trabalho e na diferença que podemos fazer.


REDIGIDO POR: Diana Jorge

1 comentario


Boa tarde.

A verdade é que o treinador de futebol (principalmente de formação juvenil) não pode, nem devia ser contratado para ser apenas treinador de futebol. Ponto assente nisto, passamos para o seguinte... A psicologia torna-se bastante importante no meio de uma equipa, sem dúvida nenhuma...porém, não concordo quando diz que qualquer treinador é psicológo, porque acho que muitas vezes a área da psicologia surge da parte humana de cada um e isso... Por muitos cursos que se possam ter...... Depende sempre do tipo de treinador que certa equipa ou certo grupo de atletas tem. O treinador de futebol... Nunca será só futebol, nunca será só dar uns treinos, 'meter' a bola ao saco e está feito... Lidamos com inúmeras…

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