Para os que não conhecem, o Gimcheon Sangmu pode ser só mais uma equipa dos escalões profissionais do futebol sul coreano. Todavia, o papel que tem no futebol e na própria sociedade da Coreia do Sul vai muito para além disso.
Desde 1957 que o serviço militar é obrigatório na Coreia do Sul. Todos os homens entre os 18 e 35 anos, desde que capazes fisicamente (sem doenças ou deficiências impeditivas), são obrigados a alistar-se no exército. A duração do serviço depende do ramo ao qual se alistam, sendo que para o Exército são 21 meses, para a Marinha são 23 meses e para a Força Aérea são 24 meses. Há também o alistamento para outros ramos, que não combatem, como o do Trabalho Social e da Cooperação Internacional, que dura 24 meses, o de trabalhadores industriais, que dura 34 meses, e o de médicos, advogados e afins, que dura 36 meses. É um dos serviços militares mais longos do mundo.
É aqui que o Gimcheon Sangmu aparece. O serviço militar é obrigatório para todos os futebolistas (há exceções como Son Heung Min, que não fez por ter ganho a Taça da Ásia) e dura 24 meses. O Gimcheon é o clube que representa as Forças Armadas Sul Coreanas e que serve para os jogadores de futebol cumprirem o seu serviço militar sem perderem 2 anos da sua carreira profissional. A equipa é, portanto, composta por futebolistas sul coreanos emprestados por clubes profissionais, durante 2 anos. O clube não pode contratar jogadores estrangeiros por ser um clube com estatuto militar.
Ao nível do processo de seleção, é o treinador que escolhe os jogadores. Eles alistam-se e, dentro de uma lista com todos os jogadores, o treinador escolhe aqueles que quer para o plantel. Muitos profissionais alistam-se, mas apenas os melhores são escolhidos dado que o Gimcheon joga, normalmente, entre a Liga K1 e a Liga K2. Os que não são selecionados têm duas opções: alistarem-se outra vez até serem aceites ou irem para os escalões não profissionais, na Liga K4, e, ao mesmo tempo, trabalharem no setor social e jogarem em formato part-time. Antes ainda havia a opção de se alistarem na equipa da Polícia, a Ansan, mas o clube foi dissolvido e recomeçou como um clube novo. Muitos preferiam a equipa da polícia, dado que as condições não eram tão más como a do Gimcheon (que eram do mais básico possível por ser militar), mas isso deixou de ser possível e, consequentemente, há o dobro dos jogadores a alistarem-se para o clube militar.
Ao nível da seleção do staff, os treinadores não precisam de ser militares ou de ter alguma ligação às Forças Armadas. Os dois anteriores treinadores, Cho Jin-ho e Kim Tae-wan não têm passado militar (sem ser o serviço obrigatório), por exemplo. Kim Tae-wan já lá está desde 2017, após a morte de Cho Jin-ho, e não parece querer sair, estando a fazer um ótimo trabalho. Um dos grandes problemas que os treinadores atravessam no Gimcheon, é a seleção do plantel. De 2 em 2 anos, o plantel muda radicalmente e o treinador só pode selecionar jogadores dentro de uma lista predefinida, sem ter grande opção de escolha no que toca a posições concretas. Num exercício hipotético, dentro da lista dos alistados, podem aparecer muitos médios ofensivos e extremos, mas nenhum avançado. O treinador não tem qualquer poder sobre isto e, portanto, tem que se adaptar constantemente às listas que tem.
Outras vezes, o treinador tem sorte com a lista que lhe calha e, como aconteceu no ano passado, pode ter um plantel bastante forte e com alguns internacionais. Basta olhar para os currículos de Park Ji-soo, Jung Seung-hyeon, Kwon Chang-hoon, Lee Yeon-jae e de Gu Sung-yun. Tudo jogadores com jogos pela seleção sul coreana e todos eles estabelecidos no seu país como futebolistas de topo.
Já ao nível dos jogadores, há muito pouca vontade generalizada em cumprir o serviço militar. Isto acontece, não só porque, por 2 anos, têm que viver e receber como militares, mas também porque, durante esse tempo, não se podem transferir para qualquer outro clube e nem sequer têm garantias de ter tempo de jogo. O estilo de vida muda brutalmente, dado que recebem o salário mínimo e têm os contratos com os seus clubes congelados, vivem e treinam em condições básicas. Até ao nível da aparência têm que mudar como, por exemplo, rapar o cabelo. Para além disso, muitas vezes podem ir parar à Liga K2, descendo um patamar competitivo. Não é raro ver jogadores a colocarem nas suas redes sociais “countdowns” do tempo que lhes falta para acabarem o serviço militar e a queixarem-se. Há outros que até encaram bem a única possibilidade que terão na carreira de ganhar títulos, dado que o Gimcheon anda sempre a descer e a subir de divisão.
Muitos jogadores optam por tentarem cumprir o serviço militar obrigatório logo no início das suas carreiras para que isso não impeça uma carreira sénior sem interrupções e, especialmente, sem que possam ir para fora. Casos como o de Hwang In-beom e de Oh Se-hun, que rapidamente foram para o estrangeiro. Outros tentam atrasar o máximo de tempo possível a inscrição no serviço militar simplesmente porque não o querem fazer.
Agradecimento especial pela ajuda ao Paul Neat por ter respondido a algumas perguntas e deixamos aqui também o twitter do podcast oficial da KLeagueUnited e do Paul Neat.
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