Nos dias que correm, a estratégia e o conhecimento do adversário é fulcral para quem quer ganhar jogos. Conseguir explorar o pior do adversário, escondendo os seus pontos fortes, tirando partido das nossas dinâmicas bem vincadas, identidade e das qualidades dos nossos jogadores, é o que se pretende fazer em cada partida. Isto ganha uma entoação ainda maior em jogos equilibrados, em que as individualidades de um lado e do outro têm ambas qualidade elevada e, por vezes, sobreponível.
O primeiro dos clássicos trouxe-nos um FC Porto estratégico, tático e inteligente. Aproveitou e tirou partido das fraquezas do SL Benfica, explorando a capacidade dos seus jogadores nunca perdendo a sua identidade e ideologia de jogo.
O momento difícil ao nível estrutural que os encarnados vivem pela eventual saída de treinador e o sabido interesse do Flamengo em Jesus trazia uma pressão adicional à equipa, que podia fazer-se sentir ainda mais caso o início do jogo não fosse o melhor.
Sabendo disso, o Porto entrou "à Porto" no clássico. Tremenda personalidade, atitude, pressão intensa e agressividade nos duelos.
Quais as razões para a superioridade portista? O que aconteceu no jogo? Como poderá o Benfica melhorar no próximo jogo frente aos dragões?
A primeira fase de pressão, o encaixe, a igualdade numérica a meio-campo e o comportamento da linha defensiva
Os portistas igualavam a possível vantagem quantitativa que as águias teriam no meio-campo, colocando Taremi a marcar Weigl. Os centrais exteriores eram pressionados pelos extremos (Luis Díaz e Otávio), e Evanilson ficava na pressão a Otamendi ou ao central exterior de acordo com o lado da bola. Os médios portistas ocupavam o espaço central com a vigília a Taarabt e João Mário, a linha defensiva ficava alta e oferecia pouco espaço à sua frente - o espaço que Rafa, por exemplo tanto gosta para se enquadrar de frente. Os laterais ficavam na marcação aos alas do Benfica.
A equipa portista mostrou inteligência na pressão, com os seus jogadores, além de serem intensos, a conseguirem ocupar os espaços certos de maneira a cortar linhas de passe para início de construção. Weigl é o homem com maior clarividência na gestão dos ritmos e rumos a dar ao ataque, mas, pela forte de marcação de Taremi, não conseguiu ter bola nos primeiros minutos. As constantes perdas de bola em zonas recuadas por parte dos encarnados permitiram ao Porto chegar a situações de finalização e conseguir chegar aos seus primeiros dois golos nos minutos iniciais.
Com 3 elementos no meio-campo, o Benfica acabava por oferecer menos espaço em zonas centrais sem bola, mas, com ela, nunca conseguiu ter dinâmica ofensiva e capacidade para criar. Os médios ficavam quase sempre de costas para a baliza adversária, Rafa usufruía de pouco espaço para acelerar e a linha defensiva portista conseguiu controlar o único homem que procurava a profundidade, Darwin. Com vários homens em zonas interiores e com alas com pouca capacidade de oferecer profundidade e largura à equipa, o jogo ofensivo foi sempre muito afunilado, pouco objetivo e incapaz de ferir o adversário.
Nota também para a grande qualidade da linha defensiva - orientação corporal, perceção dos indicadores motores dos jogadores adversários, controlo da profundidade e largura (Darwin, por exemplo, foi apanhado várias vezes fora de jogo), posicionamentos (quase sempre assertivos nos deslocamentos e nos espaços a ocupar) - e para a dupla de médios, Vitinha e Uribe - capacidade de pressão intensa, agressividade, controlo do espaço entrelinhas, compensações de espaços na linha defensiva, eficácia nos duelos, clarividência e qualidade com bola, adaptação e execução de todos os comportamentos corretos a apresentar de acordo com o planeamento estratégico da equipa.
A aposta no jogo vertical, médios de frente, as ruturas de Luis Díaz e Evanilson, e o 9,5 Taremi
Sabendo da menor capacidade do Benfica para controlar o espaço nas costas da linha defensiva, pela lentidão dos centrais e alguns comportamentos erráticos que a equipa vinha a apresentar nos últimos jogos, o Porto investiu num jogo vertical, veloz e de ruturas constantes. Dessa forma, a equipa portista apostou várias vezes em bolas longas para os homens da frente, na tentativa de vencer a 2º bola e alimentar as diagonais de Díaz e Evanilson. Pela incapacidade do Benfica de ser intenso na pressão, os dragões conseguiram também colocar várias vezes os médios de frente, que, por sua vez, ativavam Taremi entre-linhas - o iraniano chamava marcação - para combinar com o 3º homem, e os outros dois da frente (Díaz e Evanilson) apareciam no espaço em rutura. Um exemplo deste comportamento é o lance do 3º golo.
Díaz, o Rei da Transição
Quem tem Luis Díaz, arrisca-se a ser perigoso em cada ataque rápido e transição ofensiva. O colombiano foi a referência neste momento do jogo e aproveitou o espaço concebido pelo Benfica numa altura em que se viu obrigado a subir linhas. Fantasista, com grande capacidade de condução, drible e cada vez melhor na tomada de decisão, o extremo portista foi sempre sinónimo de perigo para o adversário.
Como deverá jogar o Benfica no próximo clássico?
As melhores exibições deste Benfica coincidiram com Rafa a fazer de 3º médio e com ligação constante ao ataque pela condução com bola e perceção do momento para o ataque ao espaço sem ela. A presença de Yaremchuk na frente de ataque, juntamente com Darwin poderia dar uma variabilidade tática interessante. Darwin, no ataque ao espaço entre lateral e central adversário, criava uma constante indefinição a nível posicional entre os dois pelo seu forte ataque ao espaço. Yaremchuk com um duplo trabalho de, ora atrair marcação, descendo no terreno e abrindo espaços nas costas da linha defensiva para diagonais curtas de Rafa e Darwin, ora a explorar ele mesmo a profundidade; oferecia dinâmica, mobilidade e criatividade ao ataque do Benfica. Além disso, o ucraniano seria garantia de maior aproveitamento nas bolas longas e de apoio frontal, pelo que o Benfica poderia criar perigo, caso consiga vencer a 2º bola ou combinar com o 3º homem, respetivamente.
Atrair de um lado para ligar de forma rápida no lado oposto ou atrair entre-linhas e explorar a profundidade por Darwin. Foram estes os comportamentos que, permitiram ao Benfica chegar com maior perigo à baliza adversária. O primeiro comportamento passou quase sempre por Weigl a ligar com o lado oposto. O alemão é peça fundamental para os encarnados definirem o rumo dos ataques. Quando tem bola, decide bem e oferece fluidez ao jogo ofensivo. Por outro lado, Rafa e João Mário são jogadores com capacidade para receber e enquadrar de forma rápida, conseguindo, quando acionados, dar melhores soluções ao ataque. Weigl como pêndulo, João Mário junto com Rafa entre-linhas é a aposta ofensiva com maior rendimento deste Benfica.
Agora como oferecer maior liberdade a Weigl ? Uma das soluções é trazer João Mário para a segunda fase de construção, no entanto perdia-se definição e criação entre-linhas, outra está explicada abaixo.
Grimaldo é forte em espaço interior, pelo que com Weigl pressionado por Taremi, seria uma boa solução a ocupar zonas mais centrais em fase de construção (desta forma, a equipa ficaria com um homem livre em espaço interior). Perdia-se largura? Não, caso nesta fase do jogo, Darwin se posicionasse encostado à ala, a ameaçar o ataque ao espaço, a forçar o 1x1 com João Mário e a "prender" o lateral português.
Por outro lado, Gilberto, por ter pela frente Díaz, teria uma atenção redobrada. Sem bola ficaria a vigiar constantemente o colombiano, mas sem ela ofereceria largura à equipa, obrigando o extremo portista a descer no terreno e acompanhá-lo.
A reação à perda, os níveis de agressividade, a eficácia nos duelos individuais e os comportamentos da linha defensiva terão obrigatoriamente de ser melhorados por parte das águias. Com um meio-campo a 3, o Benfica pode, em momento defensivo, descer João Mário para perto de Weigl, com Rafa mais à frente a pegar em Vitinha ou Uribe. A equipa ficaria assim melhor guarnecida em terreno central e as possibilidades de lançamento dos avançados portistas em rutura seriam sempre menores.
No momento em que a equipa ganha a bola, Rafa, Darwin ou Yaremchuk terão de ser as referências para transição. O ucraniano a segurar, Rafa na condução de frente e Darwin no ataque ao espaço poderão ser um autêntico perigo à solta.
O Porto foi muito melhor, também porque o Benfica foi muito fraco. Perceber os espaços a atacar, condicionar e levar o adversário a ir para espaços que não se sente confortável, ser agressivo na reação à perda, ter compromisso para transitar defensivamente em bloco, ser inteligente a cada deslocamento e vencer duelos foi o que o Porto fez e o que o Benfica também terá de fazer para vencer o próximo jogo. Ser melhor está muitas vezes relacionado com escolhas certas ou erradas e é definido por detalhes.
Há obviamente a necessidade de mudança para o lado do Benfica, se quiser ser melhor a este Porto.
Redigido por Diogo Coelho
Fundador do Projeto Pensar o Jogo
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