Artigo desenvolvido para o site do Bola na Rede e disponível no link abaixo:
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“THE MOST IMPORTANT PART ARE THE FANS, THAT PEOPLE GOING HOME ARE HAPPY. IT’S THEIR TIME OFF, AND YOU SHOULD GIVE THEM SOMETHING TO ENJOY.”– JOHAN CRUYFF
Desde o nascimento do futebol, os especialistas de análise da modalidade preocupam-se em identificar estratégias que permitam a cada equipa estar mais perto da vitória. Dessa maneira, muitas são as filosofias de jogo adotadas ao longo dos anos. Claro, muitas com enorme sucesso e outras nem por isso! Mas será que interessará “apenas” ganhar? O professor Manuel Sérgio tem uma frase interessante acerca desta temática: “Ninguém vale porque sabe, vale porque ganha!”. No presente, esta de facto, será a filosofia, mas quando avançamos no tempo, começamos a perceber que quem “sabia” e implementava essa sabedoria como maneira para atingir a vitória, mesmo não ganhando sempre, terá o reconhecimento e admiração dos amantes do jogo.
Neste particular, destacam-se aqueles que, pela criatividade, inteligência, pela absorção de conhecimento dos seus antecessores e pela adaptação ao evoluir do jogo, conseguem adquirir competências diferentes dos restantes, que lhes permite criar uma ideia de jogo diferenciadora e inovadora.
Nomes como Rinus Michels, Helenio Herrera, Arrigo Sacchi, Bélla Gutman, Bilardo, Menotti, Alex Ferguson, Johan Cruyff, Aragonés e, mais recentemente, Marcelo Bielsa, Guardiola, Mourinho, Sarri ou Klopp, são exemplos de treinadores com ideias revolucionárias, que singraram com vitórias, mas principalmente na construção de uma identidade única.
As duas maiores provas que podem definir a qualidade de um treinador são: os seus jogadores elogiarem os seus métodos de trabalho ou, então, as pessoas, ao verem um jogo e não sabendo os protagonistas de uma equipa nem o nome da mesma, conseguirem identificar o treinador que a comanda.
“QUALITY WITHOUT RESULTS IS POINTLESS. RESULTS WITHOUT QUALITY IS BORING”-CRUYFF
Um dos treinadores mais influentes das últimas décadas é Marcelo Bielsa. Comandando o Leeds United FC, Bielsa joga num esquema de 4-2-3-1 (altamente mutável de acordo com cada fase do jogo) e com dinâmicas que serão posteriormente mencionadas. Agora parece ter um “discípulo” com enorme potencial para singrar. Chama-se Gabriel Heinze e foi nesta última época (campeonato argentino acabou há sensivelmente um mês) o grande destaque da Liga Argentina, levando o CA Vélez Sarsfield ao terceiro lugar. O anterior defesa central que teve passagem pelo Sporting CP tem tido enorme sucesso no seu país natal. Chegou ao comando técnico do Vélez Sarsfield na época de 2018, quando a equipa se encontrava em risco de descida de divisão, acabando esse ano no décimo sexto lugar (campeonato argentino conta com 24 equipas). No segundo ano, realizou uma temporada muito positiva, discutindo a entrada para a Libertadores e acabando em 6.º lugar.
As semelhanças entre Bielsa e Heinze são imensas, mas não poderão ser deixadas de parte nuances do seu jogo, com base em ideais do Futebol Total de Michels e Cruyff, do pressing de Sacchi e do ataque posicional de Guardiola.
Esta comparação com Bielsa é insistentemente falada na Argentina. Quando questionado acerca da mesma, Heinze não esconde a sua admiração pelo atual treinador do Leeds United, considerando-o o melhor e referindo que “Marcelo está um passo gigante à frente de todos os outros”.
Para conhecerem um pouco melhor Marcelo Bielsa, recomendo que vejam este vídeo:
A equipa argentina conjuga um jogo de posse com a verticalidade e ataques rápidos (apesar de não ter a intensidade e vigor do jogo das equipas de Marcelo Bielsa). Gosta de jogar preferencialmente pelos corredores, aproveitando a amplitude dos laterais. Equipa de futebol associativo com as desmarcações e movimentações de avançados e médios a serem cruciais no desmontar das estruturas adversárias.
Neste artigo serão discutidas ideias de jogo (nomeadamente a nível ofensivo) com influência de Bielsa ou de outros intervenientes do jogo.
Onze Base do Vélez Sarsfield
Normalmente, a equipa argentina utiliza um esquema tático 3-3-1-3 / 3-4-3 quando atacam e 4-3-3 / 4-2-3-1, quando defendem. As dinâmicas tornam este sistema de jogo bastante mutável.
Onze base do Vélez em ataque posicional
Organização ofensiva em 3-3-1-3
Fase de Construção de jogo
De maneira a atrair a equipa adversária, o Vélez constrói com os dois centrais abertos e com o médio defensivo, formando uma linha de três. Com uma construção paciente, estes três jogadores esperam pelo momento exato para realizar cada ação. Os centrais têm boa capacidade de progredir com bola, atraíndo os avançados da equipa adversária. Além disso, têm uma boa qualidade de passe, executando muitas vezes passes verticais para zonas de criação. Numa conferência de imprensa, Heinze referiu como avalia os seus defesas centrais, veja o que respondeu:
A construção paciente à procura do melhor momento para avançar é uma imagem de marca da equipa argentina, muito à semelhança de Marcelo Bielsa.Intencionalidade, perceção e inteligência na maneira como saem a jogar.
Quanto aos laterais, apresentam-se quase sempre bastante subidos e a sua principal função é dar amplitude e profundidade à equipa. No início da construção, um dos laterais dá amplitude (lado da bola) e o outro ocupa espaço mais interior com o extremo junto ao corredor (lado sem bola).
Muitas vezes formam uma espécie de retângulo com os médios e defesas centrais em situação de construção de jogo, permitindo à equipa ter mais soluções para passe. Nalgumas situações, os médios ocupam terrenos mais avançados e os laterais passam a posicionar-se em zonas mais centrais, como pode ver na imagem e no vídeo seguinte.
Este posicionamento dos laterais em zonas mais centrais permite aos médios ter maior liberdade para aparecer em zonas de criação. Tal como podem ver no vídeo, aparecem quatro jogadores na área para finalizar, mas tudo porque os laterais compensam a sua subida no terreno ocupando espaços centrais.
Amplitude ou Inversão
Como foi referido, os laterais têm a dupla função de dar amplitude e de criar superioridade numérica em zonas centrais.
Uma demonstração das trocas posicionais efetuadas entre jogadores, pela clara influência do Futebol Total e de Cruyff ou Pep Guardiola pela inversão dos laterais.
Rotatividade entre jogadores
Baseado em princípios do Futebol Total, o Vélez mostra grande rotatividade entre jogadores, ou seja, trocas posicionais constantes entre determinados jogadores. O micro-sistema entre lateral, médio-centro e extremo é um dos exemplos. Esta ideia de jogo é também muito requisitada nas equipas de Marcelo Bielsa.
“If you have the ball you must make the field as big as possible, and if you don’t have the ball you must make it as small as possible”- Cruyff
Em ataque posicional o Vélez mostra grande capacidade de posicionamento, de maneira a garantir espaço para troca de bola. O posicionamento, ora de extremo, ora de lateral a dar amplitude, a linha de 3 a construir, os dois médios entre linhas e o “Falso 9” a dar apoio ou a movimentar-se para a procura de profundidade são princípios que permitem à equipa controlar a posse mais facilmente.
A equipa controla amplitude, largura e profundidade devido ao posicionamento dos seus jogadores. Mesmo que um jogador abandone o corredor, o outro irá posicionar-se junto ao mesmo oferecendo amplitude à equipa. Apesar de ter muitos jogadores entre-linhas, a procura da profundidade e o posicionamento junto à linha defensiva atraindo-a para terrenos recuados nunca são rejeitados.
Quiqué Sétien disse numa entrevista ao Mundo Deportivo que, por vezes, um jogador dá mais à equipa quando está parado. Os extremos ou laterais da equipa do Vélez têm muitas vezes este papel “invisível” de estar parados encostados ao corredor, oferecendo amplitude e profundidade, e ataraíndo a linha defensiva para zonas mais recuadas e, principalmente, atraíndo o lateral abrindo espaço para colegas de equipa combinarem.
Atração do lateral adversário pelo posicionamento do lateral direito do Vélez e abertura de espaço nas costas da linha defensiva
Fonte: TNT Sports
Superioridade numérica em todas as fases do jogo
Uma das características assentes no jogo desta equipa é a capacidade dos jogadores criarem superioridade numérica em determinadas zonas cruciais, para que a jogada prossiga e seja criado perigo.
Primeiramente em zonas de construção, a linha de três permite criar superioridade em adversários com dois avançados. Por outro lado, cria atração e oportunidade para penetração com passe entre a linha mais ofensiva da equipa adversária, em caso desta pressionar com três avançados.
Em zonas de criação, a rotatividade existente permite que, por exemplo lateral, extremo, médio ou até avançado estejam próximos e possam causar superioridade no corredor e criar perigo quando surgisse (por exemplo) cruzamento. São dinâmicas pensadas e muito eficazes que permitem à equipa desequilibrar num intervalo de tempo curto e surgir com perigo para o adversário. Para uma troca de bola eficaz é também importante a dinâmica do terceiro homem e a formação de triângulos que Cruyff e Guardiola defendem e que permite as várias combinações entre os jogadores, para de seguida explorar a profundidade.
Depois a chegada de zonas de finalização envolve também vários jogadores pela presença de avançados, médios e, por vezes, lateral do lado oposto.
A capacidade de alterar o sistema faz deste Vélez uma das equipas mais difíceis de analisar e de perceber rotinas que já vi. O 3-3-1-3 pode transformar-se facilmente num 2-1-4-3, por exemplo.
Os centrais e médio defensivo têm elevada importância na forma como conseguem perceber o timing para agir e executar determinada ação. Pela paciência de esperar o melhor momento, os avançados e médios sobem no terreno, a equipa adversária desce as suas linhas e o Vélez consegue colocar jogadores em espaços perigosos.
Por exemplo, no vídeo seguinte podemos ver quatro jogadores do Vélez prontos para receber entre-linhas e criar perigo.
Triângulos em zonas de criação, permitem que o jogador tenha várias soluções para passe e facilita desequilíbrio da equipa adversária
Fonte: SAF
Atração e criação de espaço
Os três avançados (Romero/Fernandéz, Jason e Centurión) e o médio ofensivo (Thiago Almada/Robertone) são jogadores que estão em constante procura do espaço. A importância da desmarcação como movimento de atração e criação de espaço está implícito na forma como se comportam dentro de campo.
Além disso, pela subida dos laterais, é uma equipa que procura muito o jogo de corredores como maneira de atrair no espaço lateral e aproveitar o espaço em zonas centrais.
Mais um parâmetro de jogo associado a Marcelo Bielsa. Este referia que a desmarcação e mobilidade é essencial para garantir um jogo fluído, imprevisível e progressivo.
Papel dos médios
Tal como nas equipas de Marcelo Bielsa, o Vélez valoriza a posição de médio como construtor de jogo e como referência em situações de criação, mas também de finalização.
O médio defensivo é o responsável pela procura de soluções entre-linhas, arriscando muitas vezes no passe vertical em zonas de construção. Sob pressão consegue temporizar, trocar a bola entre centrais e guarda-redes, atraindo as linhas da equipa adversária e perceber o momento exato para passar para jogadores entre-linhas. É um médio mais posicional e não se envolve no ataque a partir do momento em que a bola chega a zonas de criação. Tem um papel de recuperação de bola quando a equipa perde a posse, evitando momentos de transição ofensiva do adversário.
O médio-centro tem um papel de criação de jogo, posiciona-se maioritariamente no eixo central, tendo também liberdade de aparecer nos corredores e em zonas de finalização. Antes da ida para o Bolonha era Nicolas Dominguez quem fazia este papel, e destacava-se pela fácil chegada à área e pela forma como pensava o jogo. Apresenta grande verticalidade no seu jogo.
O médio mais ofensivo (Robertone ou Thiago Almada) tem vários movimentos padrão. Normalmente desce para criar jogo mais atrás ou junta-se ao corredor como terceiro homem criando superioridade numérica e desequilibrando com diagonais para o espaço interior. Além disso, poderá ter funções de apoio ao ponta de lança (posicionamento entre-linhas) ou de aproveitamento da profundidade.
Um meio-campo com grande rotatividade, mas grande eficácia no desmontar das estruturas adversárias. Qualidade técnica, resistência física, perceção do jogo, criatividade e excelente entendimento!
Ordem e Liberdade
O Vélez é uma equipa com dinâmicas impostas pelo treinador, mas nem por isso retira dos jogadores a criatividade e liberdade para mostrar o seu talento natural.
Neste parâmetro, destacam-se o médio ofensivo Thiago Almada/Robertone e os extremos, Jason e Centurión. Os dois extremos jogam no corredor com o pé contrário, por exemplo, Janson é destro e joga a extremo esquerdo. Este facto permite aos extremos realizarem diagonais com bola para o espaço central. Posicionam-se também entre-linhas, deixando o corredor entregue ao lateral.
Thiago Almada é o jogador com mais liberdade dentro da equipa. O jovem argentino joga, predominantemente, a médio ofensivo e é o “playmaker” da equipa, pisando todas as áreas do terreno de jogo.
Como foi referido anteriormente a equipa do Vélez tem uma rotatividade muito associada a princípios do Futebol Total, por isso todos os jogadores percebem as dinâmicas e movimentações que devem ter em qualquer posição. Um médio poderá ocupar o posicionamento do lateral e vice-versa. Em ataque posicional, os jogadores estão em constantes movimentações para ser opções em apoio ou para ser servidos no espaço. A quantidade de desmarcações está associada a este “desposicionamento” constante da equipa. Uma equipa altamente camaleónica em ataque posicional.
“EU ACREDITO QUE TODOS DEVERIAM SER CAPAZES DE JOGAR EM TODAS AS POSIÇÕES DO CAMPO” – CRUYFF
Pressão pós-perda: “In my teams, the goalie is the first attacker, and the striker the first defender” – Cruyff
A equipa do Vélez caracteriza-se pela pressão elevada e agressiva à equipa adversária. Com a equipa junta e coesa, a pressão começa logo pela primeira linha de três, composta pelos avançados com acompanhamento de médios e linha defensiva.
A pressão da equipa vai no sentido da procura da bola, ou seja, movimentam-se sempre tendo a bola como alvo. Movimentação conjunta a privilegiar os encaixes e tentando sempre antecipar-se aos adversários.
Em determinados momentos, o médio-defensivo pode juntar-se à linha defensiva com consequente subida dos laterais que se apresentam extremamente agressivos no condicionamento do extremo do seu lado.
É possível observar no vídeo seguinte a linha defensiva muito avançada e nem sempre alinhada, o que poderá ser um problema desta pressão tão intensa.
Estilo de pressão com muitas influências da Holanda de 74 ou do AC Milan de Sacchi, e muito parecido com a forma como as equipas de Bielsa o fazem.
Bielsa e Heinze, o mestre e um aprendiz, que têm muito em comum na forma como as suas equipas jogam! Marcelo Bielsa, um dos homens mais influentes no futebol moderno, apesar de não ter a coleção mais vasta de troféus.
Não interessa apenas ganhar! O futebol não tem tanta popularidade pelas vitórias alcançadas, mas sim pelo prazer que transmite a quem o vê. As equipas de Bielsa encantam os admiradores da modalidade. Admirado por treinadores de renome, como Pep Guardiola, que o considerou o melhor treinador do mundo, Marcelo Bielsa construiu um legado. Heinze colheu as suas ideias e variantes de jogo e tem implementado um dos estilos de jogo mais atrativo do mundo.
Um treinador jovem, com ideias de jogo que entusiasmam… Gabriel Heinze irá ser muito falado no futuro!
Redigido por: Diogo Coelho
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