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O Paralelismo Nipónico



Um selecionador com muito pouco engenho, pouca criatividade e muita, muita sorte, tem nas mãos uma das melhores (se calhar a melhor) e não sabe tirar o máximo proveito dela. Vai ganhando jogos, sem qualquer nota artística, devido à qualidade individual à sua disposição e porque a própria oposição não é a mais forte. Moldou uma equipa base com pouca ambição e muita previsibilidade, mas, de uma maneira ou outra, conseguiu o apuramento para o Mundial do Qatar 2022.


Poderia estar a falar de Fernando Santos, mas é a Hajime Moriyasu que me refiro. O selecionador japonês, desde 2017 nos sub-23 (seleção olímpica) e desde 2018 na seleção AA, conseguiu apurar a seleção nipónica para o Mundial de 2022 depois de uma vitória por 0-2, em Sidney, contra a Austrália.


Todavia, a caminhada não foi fácil. Moriyasu assumiu, em 2018, a seleção principal japonesa depois da retirada de Akira Nishino (de quem foi adjunto), logo a seguir à trágica eliminação do Mundial de 2018, frente à Bélgica. Depois de uma ótima prestação da seleção no Mundial, o objetivo era dominar a Ásia e ganhar os torneios continentais. Com a seleção sub-23 fica em segundo lugar nos Jogos Asiáticos, perdendo a final para a Coreia de Sul de Son Heung-min. Já com a seleção AA, perde também a final, desta vez contra o Qatar. Há ainda os Jogos Olímpicos de Tóquio, onde se apuram até às meias-finais, perdendo apenas para a Espanha e ficando em 4º lugar contra o México.


Chega então a qualificação para o Mundial de 2022. Depois de boas prestações, sem que o futebol jogado fosse interessante, as expectativas eram altas. O talento disponível era cada vez maior e a superioridade em relação a grande parte das seleções asiáticas era óbvia.

Se o tempo de Kagawa já tinha acabado, Take Kubo, Ritsu Doan, Kaoru Mitoma ou Reo Hatate tinham tudo para ser as grandes figuras desta qualificação. Assim não foi, pelo de todo. A primeira convocatória continha jogadores como Gaku Shibasaki, Eija Kawashima, Sho Sasaki, Nagatomo ou Yuya Osako. Todos eles jogadores em fim de ciclo, superados por outros jogadores mais novos e melhores.


Mesmo assim, Shibasaki, Osako e Nagatomo foram titulares no 1º jogo, contra a Omã, que era claramente inferior (já nem sequer tinham a grande figura Al Habsi). O jogo acabou com derrota por 1-0 em solo nipónico e a exibição foi terrível, sendo que o jogo foi dominado pelos visitantes. A segunda jornada foi, apesar da vitória por 1-0 frente à China, pautada por um futebol horrível e pela manutenção de alguns titulares por decreto, como Shibasaki, Nagatomo e Osako. Apesar das entradas de Kubo e Furuhashi (pela esquerda, onde rende menos), o futebol não melhora.


Nova ronda de jogos de qualificação e a convocatória, apesar de algumas diferenças, continua a conter alguns jogadores sem qualidade para fazer parte deste grupo. No jogo com a Arábia Saudita, que acabou numa derrota por 1-0, até entraram Kamada, Minamino e Asano, mas o resultado foi negativo e o golo teve participação especial de Shibasaki, que fez um passe que isolou o avançado saudita. A paciência dos japoneses estava a chegar ao limite, pedindo uma mudança no comando técnico e vendo o Mundial mais longe.

O jogo seguinte era o jogo mais importante da carreira de Moriyasu. Em Saitama iam defrontar a Austrália e, caso perdessem, corriam sério risco de falhar o Mundial. Como tal, o selecionador percebeu que eram precisas mudanças. Elas apareceram, mas não foram propriamente inovadoras ou ofensivas. A escolha recaiu um num meio campo reforçado a 3, composto por Wataru Endo – Hide Morita – Ao Tanaka, sendo que dois deles são uma mistura de 6/8 e o outro é um 8 puro. A verdade é que resultou e o Japão ganhou por 2-1, relançando a sua qualificação.


A partir daqui, foram só vitórias para o Japão, selando a qualificação com uma vitória frente à Austrália, em Sidney, por 0-2. Todavia, o que fica é, para além do futebol pragmático e baseado nas transições, uma incapacidade de ler o jogo (as substituições são sempre as mesmas – Nakayama e Haraguchi por Nagatomo e um dos médios) e de fazer coabitar e prosperar os grandes craques da nova geração. Kubo, Doan, Mitoma, Kamada, Furuhashi, Maeda e Hatate pouco jogaram e não conseguiram ainda entrar na equipa, mesmo em situações mais apertadas. Mesmo hoje, no jogo final da ronda de qualificação, contra o Vietname, nunca conseguiu fazer coabitar Kubo e Hatate, desviando o primeiro para a ala direita, onde não rende.


Um pouco como Portugal, em que Fernando Santos não consegue fazer com que os grandes talentos sobressaiam, seja pelo mau futebol ou pelas opções conservadoras, o Japão não consegue ter uma equipa realmente sólida e que encante a nação. Moriyasu, tal como FS, vai conseguindo os objetivos, mas sem nunca conseguir fazer evoluir a equipa. Aparecem boas exibições esporadicamente e uma ou outra mudança, mas nunca com alguma continuidade e coerência. A Federação continua a dar-lhe crédito, mas os adeptos querem e exigem mais. Sabem que vem aí uma geração brilhante, que já devia estar a ser liderada por jogadores como Kubo e Mitoma e que o atual selecionador não é o homem certo para a refinar ao nível internacional. Lá está, os objetivos continuam a ser atingidos, com maior ou menor dificuldade e isso vai mantendo Moriyasu no banco da Seleção. Parece claro que esta visão resultadista e pragmática da seleção, apesar de dar alguns frutos a curto prazo, vai falhar a longo prazo.


Redigido por João Miguel

 
 
 

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