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O Ataque Posicional do Manchester City

Atualizado: 13 de jan. de 2022


A Complexidade da Simplicidade - Play, possession and position


O Manchester City versão 2021-2022, orientado por Pep Guardiola, tem vindo a demonstrar, uma vez mais, um futebol fantástico para os amantes das equipas com um jogo posicional forte e potenciador da liberdade criativa, contrariando ano após ano a já clássica expressão de que “o tiki-taka de Guardiola é aborrecido”. Pep sempre expressou repúdio por esse rótulo de tiki-taka, referência a um futebol rendilhado, mas ao mesmo tempo lento e sem orientação e agressividade ofensiva. Algo que podemos constatar que nada tem a ver com este Manchester City ou com o FC Barcelona e Bayern Munique de sua autoria, com uma posse com intenção e orientada para o golo.


Esta fase atual de enorme produção ofensiva do Manchester City demonstra simultaneamente um futebol a regra e esquadro, bastante organizado e rigoroso tacticamente e, ao mesmo tempo, capaz de fazer sobressair as maiores virtudes individuais do grande plantel ao dispor, com ideias e dinâmicas ofensivas que permitem aos seus atacantes explanar todo o seu virtuosismo, criatividade e eficácia nos momentos de criação e chegadas a zonas de proximidade à baliza contrária.

Efetivamente, os Citizens atravessam um momento avassalador. Quantitativamente, contabilizam 53 pontos na Premier League, que lhes garantem uma vantagem de 10 pontos em relação ao actual 2º classificado, Chelsea. Nas restantes competições estão qualificados para as fases seguintes da Liga dos Campeões, mas também da Taça de Inglaterra, na qual bateram o Swindon Town na passada sexta-feira por 4-1. As pedras no sapato de Pep Guardiola, foram a derrota na Community Shield, com o Leicester City, numa pequena traição do nigeriano Iheanacho, e a eliminação da Carabao Cup, no desempate por grandes penalidades frente ao West Ham United.

O City tem vindo a marcar uma posição forte ofensivamente, através de uma grande versatilidade táctica e posse de bola dominadora, marca registada das equipas de Pep Guardiola e, também de Juanma Lillo, treinador-adjunto, amigo e mentor do catalão no esquadrão azul de Manchester.

As indefinições do Man City no início da época 2020-2021


Para compreendermos melhor a organização ofensiva do Man City na época 2021-2022 necessitamos de puxar a cassete atrás, para interpretar as dúvidas que assolaram Pep Guardiola no início da época anterior de 2020-2021.

Depois de um início de época 2020-2021 atribulado, Guardiola sentiu que os jogadores não interpretaram bem a mensagem que lhes tinha sido passada. A equipa estava a perder a sua identidade de controlo da posse de bola e criação de situações de golo. Os jogadores estavam a entrar numa espiral de jogadas vertiginosas que, para além de os desgastar, lhes retirava o discernimento para definirem corretamente nos terrenos mais avançados.


Imagem 1 e 2: Organização Ofensiva do Man City no início da época 2020-2021


As principais alterações tácticas que Pep realizou na equipa nesse período diziam respeito ao posicionamento dos seus laterais e extremos. Uma vez que os extremos se encontravam a jogar maioritariamente de pé trocado (Sterling e Torres à esquerda e Mahrez e Foden à direita), estes eram convidados a preencher os half-spaces ou a jogar no espaço existente entre os centrais e laterais contrários. Embora com isso, Guardiola potenciasse, hipoteticamente, um maior número de ocasiões de finalização para esses jogadores ou de combinações em espaço central para depois rasgarem na profundidade, estes jogadores perdiam muita das vezes clarividência nas suas acções, porque jogavam maioritariamente de costas para a linha defensiva contrária. Sendo todos eles jogadores extremamente agressivos ofensivamente e virtuosos na arte de encarar o 1 x 1 ofensivo, eram residuais os momentos em que os mesmos poderiam encarar os opositores de frente, ao contrário do que poderia acontecer caso se posicionassem maioritariamente à largura, de frente para o opositor, a interpretar distâncias e o espaço na profundidade, como aliás começou a acontecer, posteriormente, a partir do momento que Pep voltou às suas origens tácticas.

Consequentemente, para garantir a estabilidade e continuidade da inegociável linha ofensiva de 5 jogadores no espaço existente entre as linhas defensivas e intermédias do adversário, os laterais do lado da bola tinham de se projetar no corredor, mantendo-se bem abertos e altos para poderem ser uma solução para variar centro de jogo e ao mesmo tempo prender a linha defensiva contrária atrás, libertando espaço mais atrás para os centrais e interiores trabalharem na criação de jogo ofensivo.

A equipa acabava por ser capaz de se instalar no meio-campo ofensivo, mantendo as elevadas percentagens de posse de bola, mas perdia fogo nos duelos ofensivos em corredor lateral e principalmente, não estava tão bem preparada para o momento da perda da bola. Embora prevenisse o corredor central numa estrutura de 2 centrais, lateral contrário e 2 médios-interiores, o espaço nas costas do lateral mais adiantado era rapidamente aproveitado pelos opositores para apostar na transição ofensiva, método através do qual o City sofreu bastante golos.

Manchester City 2021-2022 – Análise Táctica


O Manchester City apareceu em 2021-2022 muito confiante, alicerçado nas ideias de jogo que catapultaram a equipa em meados da época anterior e levaram ao título de campeão nacional. Os Citizens são uma obra-prima de autor, capaz de fazer golos de todas as maneiras e feitios. Para além disso, a enorme qualidade, versatilidade e inteligência de jogadores como Bernardo Silva, Phil Foden, Kevin De Bruyne, João Cancelo ou Raheem Sterling permite ao treinador catalão mexer estrategicamente com a equipa sem que ela perca a sua matriz orientadora ou castrando as características dos seus jogadores.



Através do tradicional 1-4-3-3, o City organiza-se nos vários momentos do jogo, sempre em função da bola, promovendo um respeito posicional pelos espaços (não confundir com as posições) que devem ser preenchidos.

Construção de Jogo – Variabilidade no jogar


Logo na construção de jogo, conseguimos verificar a forma como os jogadores se organizam e a importância que tem a interpretação das vantagens para a equipa de Manchester.


Partindo de uma estrutura dinâmica de Gr-2-3-2-3 logo na saída de bola ou na saída em bola corrida do guarda-redes, verificamos um vasto entendimento por parte dos jogadores do City, também pela base estratégica transmitida pelo seu treinador. Os laterais ora procuram o corredor central de forma a atrair a marcação directa, libertando o corredor lateral para que a bola possa entrar diretamente dos centrais para os extremos, queimando logo vários elementos de pressão, ora mantém-se abertos de forma a libertar o corredor central para os interiores baixarem e serem solução para apoio frontal.


Neste momento do jogo ganham ainda mais relevo duas dinâmicas importantes no jogo de posição, as dinâmicas de Homem Livre e de 3º Homem.

Assim que a bola começa a rolar, o objetivo do City é atrair e fixar um-a-um os adversários para as suas zonas mais adiantadas, de forma a criar um efeito Dominó, libertando um colega para receber a bola. Este princípio parte sempre do pressuposto de que a equipa está sempre em superioridade com bola (ajuda do Gr) e que com as dinâmicas e velocidades de interpretação, leitura e execução certas, é capaz de libertar sempre pelo menos 1 jogador (Homem Livre).

Depois, podemos verificar em vários momentos e zonas do campo que o City procura potenciar a dinâmica de 3º homem para desbloquear a organização defensiva do adversário. Como podemos verificar no vídeo, existe uma preocupação de quando o central orienta o seu 1º toque para a frente, o médio centro desse lado aproxima rapidamente para ser solução em apoio frontal, enquanto o médio do lado contrário mantém-se alto no terreno de forma a libertar espaço atrás. Sempre que o central arrisca no passe vertical para esse médio, ele sabe que traz pressão nas suas costas. Partindo dessa ideia e procurando, antecipadamente, ler o que se passa nas suas costas pode decidir por rodar no 1º toque ou jogar de frente com um 3º homem que tem a vantagem de já estar de frente para o jogo. Rompendo as 2 primeiras linhas de pressão do adversário é tempo de acelerar o jogo e procurar o corredor contrário onde há mais espaço para criar perigo.










Imagem 3 e 4. Organização Ofensiva – Construção de Jogo



Criação de Jogo – Ligações


Independentemente da organização trabalhada e da estratégia orientada para a partida, a equipa tem sempre o mesmo princípio para o seu jogar – mexer a bola para mexer com o adversário, mantendo a equipa sempre em campo grande, de maneira a encontrar o espaço vazio e o homem livre. O objetivo é atrair muitos jogadores para a zona da bola para libertar jogadores mais à frente na zona de cooperação.


Uma vez ultrapassada uma possível pressão mais alta e agressiva do adversário, o City não tem pressa em chegar a zonas de finalização, evitando jogadas vertiginosas e com poucos homens. Prefere, assim, instalar-se no meio-campo ofensivo, mantendo os jogadores mais próximos, para circular a bola, reagir à perda e chegar com mais gente ao último terço do campo.

Neste momento, a equipa organiza-se claramente num Gr-2-3-5, onde os laterais procuram preencher os espaços centrais, funcionando como interiores, juntamente com o médio-defensivo (Fernandinho/Rodri). Isto só é possível devido à enorme qualidade no jogo interior de laterais como João Cancelo, Walker e Zinchenko, capazes de interpretar os timings para atrair marcação para zonas interiores, libertando espaço fora para a bola entrar diretamente nos extremos, mas, também, para se associarem na posse de forma a atrair a pressão para a zona central. Para além disso, previnem não só esse mesmo espaço central como também os corredores laterais, que rapidamente conseguem preencher em caso de perda de bola.


Esta dinâmica, promove a subida dos médios-interiores, trabalhando nos half-spaces, entre os extremos e o avançado. A referência espacial é jogar entre as linhas intermédia e defensiva do adversário para criar dúvida no momento de saltar na pressão. Jogadores como Gundongan, De Bruyne, Bernardo Silva, Jack Grealish ou Phil Foden demonstram uma fantástica capacidade de conciliar uma excelente relação com bola, com inteligência de decisões, interpretação de contexto envolvente, boa orientação corporal, passe curto e longo, remate, último passe e ataque à profundidade que lhes permite jogar em espaços, muitas vezes, reduzidos e combinar rapidamente de forma a chegar a zonas de finalização.


Esta linha ofensiva de 5 permite, não só trancar a linha defensiva a zonas mais recuadas como garantir vantagens numéricas perante linhas defensivas de 4 jogadores posicionais e vantagens qualitativas pela excelência dos intérpretes.









Imagem 5 e 6. Organização Ofensiva – Criação de Jogo



Concretização – Uma máquina de fazer golos

Quando o City chega a zonas de concretização há muito menos organização mas existe, contrariamente, muito mais liberdade de movimentos e criatividade.



Num debate de ideias na TV inglesa com Jamie Carragher, há uns anos atrás, Thierry Henry declarou que Pep defendia a total liberdade de movimentos nas suas zonas envolventes à área do adversário.


No entanto, ao analisar os Citizens, podemos verificar três princípios diferentes no momento de atacar a baliza adversária:

  1. Ao defrontar equipas com as suas linhas intermédias e defensivas bastante próximas, mas que deixam algum espaço na profundidade, Pep prioriza o passe exterior para os extremos ou passe vertical entre lateral e central para o ataque à profundidade dos seus extremos ou interiores, tendo sempre 3 homens a atacar zonas de finalização (1º poste, penálti e 2º poste), deixando um jogador do lado da bola a prevenir uma 2ª bola na entrada da área.

  2. Por outro lado, contra equipas que afundam a linha defensiva, a equipa do City prioriza combinações em corredor central de 2x1 ou 3x2, de forma a chegar à linha final e colocar a linha defensiva orientada para a sua própria baliza, libertando espaços ou na zona do pénalti ou no 2º poste.

  3. Por último, também com equipas mais profundas, outra solução é, após um passe atrasado em corredor lateral ter sempre, pelo menos, dois homens a atacar a profundidade do lado contrário, prioritariamente ao 2º poste.










Imagem 7, 8 e 9. Organização Ofensiva – Concretização

O que parecia ser o campeonato mais competitivo dos últimos anos na Premier League, pode estar condenado a mais uma condecoração de campeão para o Manchester City, de Pep Guardiola. E com toda a naturalidade, diga-se de passagem!


O City, para além de todo o futebol vistoso apresenta uma enorme organização e rotinas bem assimiladas, que lhe permitem cavalgar, confiantemente para a revalidação do título. O grande desafio dos Citizens será comprovar o favoritismo dado para levantar a orelhuda na Liga dos Campeões. Por aqui, estaremos sempre atentos às mudanças e desenvolvimento do jogo posicional pensado e elaborado pelo mestre Pep e da evolução da equipa nesta fase final da época. Esperemos para ver…



Licenciado em Ciências do Desporto FCDEF-UC | Mestre em Treino Desportivo para Crianças e Jovens FCDED-UC | Treinador UEFA B | Experiência em todos os escalões de futebol, de sub7 a Seniores, enquanto Treinador Principal, Treinador-Adjunto e Coordenador Técnico Eirense (2010-11), EAS-Coimbra (2012-14), Academia N10 (2014-18), Académica OAF (2018-2021), Clube Condeixa e Sporting CP - AFS Coimbra (época 2021-2022).




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