Modelo de Jogo no Futebol de Formação- Transversal ou Diferenciado?
- Pensar o Jogo
- 27 de jun. de 2020
- 5 min de leitura

Fonte: FC Barcelona
O Futebol, de uma forma genérica, tem sido alvo de constantes mutações ao longo da sua centenária existência. O jogo tem sofrido ao longo do tempo sucessivas evoluções com base nos avanços e análises sociais, pedagógicas, psicológicas, técnicas e tecnológicas. Quem se encontra ligado ao fenómeno futebol tem a clara perceção que vivemos um momento único de contacto, relações, partilha e discussão de opiniões, uma fase na qual a maioria se encontra privada da sua atividade laboral-desportiva e tem procurado o enriquecimento técnico, intelectual e conceptual. Com base nesta network, que tem vindo a crescer nas redes sociais, alguns conceitos, conteúdos e nomenclaturas têm vindo a ser sucessivamente repetidos por treinadores, analistas e jornalistas da área sobressaindo aquele que é o tema desta abordagem – o Modelo de Jogo.
Antes de definir e caracterizar o Modelo de Jogo importa referir que é um conceito por inúmeras ocasiões confundido com sistemas de jogo, dinâmicas da equipa ou esquemas táticos em várias plataformas, erro que raramente é corrigido por falta de conhecimento ou confusão de conceitos de quem rodeia os intervenientes.
O Modelo de Jogo de uma equipa de futebol é a linha orientadora do treinador ao longo de uma época desportiva, que alicerça-se nas ideias e premissas do treinador e do estilo que pretende implementar na sua equipa. Para além disso, o Modelo de Jogo emerge e evolui diariamente, tendo sempre como referências os jogos já realizados e os que estarão a vir, é a busca constante de melhorias e novas formas e estratégias do nosso jogar. Tudo o que é pensado, partilhado e trabalhado pelos intervenientes de uma equipa está incluído no Modelo de Jogo.
A construção do Modelo de Jogo tem sempre como ponto de partida características inerentes ao contexto no qual o treinador está inserido, são elas – história e cultura do clube, as influências do treinador (outros treinadores), ideias gerais do treinador relacionadas com mentalidade, organização e comportamentos, os sistemas de jogo preferenciais, as ideias de jogo tendo em conta os cinco momentos do jogo (Organização Ofensiva, Transição Defensiva, Organização Defensiva, Transição Defensiva e Bolas Paradas) e os jogadores, ou seja, que perfil de jogador escolher tendo em conta as posições que ocupam.
A existência de um Modelo de Jogo é inerente a qualquer equipa de futebol, mesmo que não esteja descrito e aprofundado num documento, o treinador tem a sua idealização para o projecto na cabeça e partilha-o com staff técnico, médico, dirigentes e, obviamente, jogadores. No entanto, a grande questão desta minha abordagem prende-se com a elaboração de um Modelo de Jogo no contexto do futebol de formação. Será que faz sentido um Modelo transversal a todas as equipas da formação? Ou será que a direção do clube, em conjunto com a coordenação técnica, deve dar liberdade para que cada treinador trabalhe a equipa à sua imagem?
Como em quase todos os pormenores interligados ao futebol, não existem receitas mágicas para a elaboração do Modelo de Jogo, tudo depende dos contextos. Não há modelos certos e errados, tudo tem uma explicação. A primeira preocupação que se deve ter é diferenciar Futebol de Formação do contexto profissional, tendo em conta o desenvolvimento do talento, as etapas de desenvolvimento dos atletas e o que se prioriza em cada uma dessas etapas. O Modelo de Jogo de uma equipa Sub-19 será forçosamente diferente do modelo de uma equipa Sub-15, já que uma tem como objetivo o Rendimento e a outra o Desenvolvimento e Aperfeiçoamento. Depois, é importante ter sempre em conta as características referidas anteriormente: que condições o clube tem para oferecer, em termos de recursos materiais e humanos, que capacidade de recrutamento possui, qual o perfil de treinador e jogador pretendido, etc.
Modelos Transversais na Formação

Os clubes mais conhecidos pela existência de um modelo transversal em todas as equipas de formação são o Ajax e o FC Barcelona, que optam por implementar os mesmos conceitos, conteúdos e sistemas de jogo em todas as equipas, desde as de iniciação até à equipa profissional, tendo sempre, novamente, cuidados com as etapas de desenvolvimento dos jogadores. Este tipo de Modelo de Jogo faz todo o sentido quando existe uma política de clube de clara aposta e projecção de jogadores da cantera para a a equipa principal.
O grande objetivo destes clubes, de enorme reputação, é formar atletas dentro do seu ADN futebolístico de forma a colocar o maior número possível dos mesmos na equipa principal. Jogadores como Seedorf, Davids, Kluivert, De Ligt ou De Jong no Ajax e Puyol, Xavi, Iniesta e Messi no FC Barcelona são os melhores exemplos de atletas que foram minuciosamente protegidos, acarinhados e trabalhados para que um dia pudessem ser ídolos na equipa principal.
Esta estruturação linear ao longo do processo formativo tem como base um jogo posicional forte, equipas com enorme vontade e qualidade para ter posse de bola, muito agressivas no momento de reagir à perda, com jogadores autónomos, inteligentes e criativos. Tudo características defendidas por um ícone dos dois clubes, tanto como jogador como treinador, Johan Cruyff.
Modelo de Jogo Diferenciado por Equipa

Muitos clubes nacionais e internacionais optam por dar liberdade aos seus treinadores principais para construir o modelo de jogo da sua equipa. No entanto, é essencial que o próprio clube tenha uma ideia e visão do que pretende nos seus escalões de formação, que estilo de jogo implementar, que premissas devem ser inerentes a todas equipas e contratar treinadores que se revejam e trabalhem com base nesses factores. A partir daí o treinador tem liberdade para escolher o sistema de jogo, dinâmicas e esquemas tácticos que bem entender sempre com base no estilo de jogo defendido pelo clube.
Esta política é recorrente em clubes que, ao contrário do Ajax ou FC Barcelona, não olham para os atletas da academia apenas como potenciais jogadores da equipa principal, mas também como potenciais ativos do clube para futuras vendas. Assim, estes atletas tanto podem vir a ser ícones do clube na equipa principal ou virem a ser transferidos para outros clubes, tanto no seu processo de formação como no contexto de futebol profissional.
Outro factor positivo de um modelo de jogo diferenciado por equipa é de que os atletas ficam preparados para o que vão encontrar no panorama do futebol sénior. O futebol sénior pauta-se por ser um espaço onde residem treinadores com diferentes ideias, mentalidades, posturas e comunicação. Ao passar por diferentes contextos de equipa ao longo da formação, o jogador estará mais preparado para uma mudança de treinador ou equipa ao longo da sua carreira, isto é, não estranhará mudanças de sistema de jogo porque poderá passar por vários ao longo do processo formativo, poderá apanhar treinadores autocráticos como democráticos, estando preparado para os dois estilos de liderança ou, ainda, estará mais preparado para diferentes ideias com base nos cinco momentos do jogo.
Desta forma, podemos concluir que não existem fórmulas de sucesso no futebol, portanto não existem modelos de jogo certos ou errados. O contexto trilhará o caminho a seguir pelo treinador porque tudo conta na elaboração de um Modelo de Jogo e nenhum factor deve ser menosprezado na elaboração do mesmo. O grande foco do Modelo de jogo deve ser o atleta e o seu desenvolvimento individual para o potenciar de um estilo de jogo coletivo.
REDIGIDO POR: Nuno Mota
Comments