Lições de Vítor Pereira
- Pensar o Jogo
- 19 de jun. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 25 de jun. de 2020

A Quarentena da Bola de Rémulo Jónatas tem-nos oferecido a oportunidade de ter verdadeiras aulas de bom futebol. Na passada quarta-feira foi a vez de Vítor Pereira brilhar num palco onde já brilharam muitos outros. Recolhemos uma série de considerações do treinador português que nos fazem refletir sobre o jogo:
- "Eu tive 4 meses a construir exercícios! Eram tantas ideias na minha cabeça que eu não conseguia dormir. Eu achava que quando começasse a treinar tinha de sistematizar tudo. Tu tens que sistematizar e operacionalizar as ideias, então desenvolvi um dossier com exercícios. Eu não conseguia dormir com ideias sempre a criarem-se. Nunca fui ver nenhum exercício a esse dossier. Mas isso permitiu-me começar a definir um projeto de jogo, o conceito de jogo de qualidade."
- "Um erro que cometia, mas que agora já não o faria, era direcionar muito o jogo para aquilo que eu queria e dava aos jogadores muito pouca liberdade. Os miúdos vinham com determinadas características que os distinguiam e eu queria-lhes ensinar o jogo que eles ainda não tinham. Por querer ensinar um jogo evoluído, muitas vezes transformava ou retirava aquilo que os distinguia."
- "Em qualquer nível tem que se ter muito cuidado em termos de operacionalização, porque se começamos com um futebol de regra e esquadro, os jogadores vão perder as qualidades que os caracterizam e não vão desenvolver aquilo em que são mais fortes. Passado uns tempos perderam aquilo que fazia a diferença. Aquilo que os distinguia eles deixaram de conseguir fazer."
- "No Espinho estava a propor um nível de jogo que eles não conseguiam responder. Dei por mim a pensar que alguém com um jogo mais simples teria melhores resultados do que eu."
- "Eu quero que as minhas equipas sejam imprevisíveis."
- "Nós podemos ser criativos a defender. Eu, por exemplo, prefiro que o adversário saia a jogar pelo meu lado direito porque o meu lado esquerdo é muito mais forte na pressão. Então coloco o meu ponta de lança no central do lado direito adversário e convido-os a sair pelo meu lado esquerdo. Imagina que sinto que a equipa adversária é mais fraca a construir de um lado, é desse lado que eu os quero pressionar. Então vais posicionar-te sobre o outro lado e vamos convidá-los a sair por ali."
- "É muito mais fácil pressionar para fora do que para dentro. A coordenação para dentro é muito mais complexa do que a coordenação para fora."
- "À medida que vais crescendo, o jogo vai sendo de menos régua e esquadro e de maior liberdade. Quanto nós mais vamos crescendo a lidar com jogadores com qualidade os nossos desafios vão sendo diferentes."
- "Quanto aos "decisores", aqueles que têm capacidade para decidir, temos que os pôr no centro do jogo. Aqueles gajos que são fortes no espaço, temos que lhes dar condições para eles desequilibrarem naquilo que são fortes. Porque se eu tenho um gajo que é forte no espaço por dentro ou por fora e quando vem receber no pé perde a bola, do que isso vale?"
- "Eu agora já não quero que o "6" encaixe na linha defensiva para construir. Para que vai encaixar se depois não tem a qualidade de decidir de frente para o jogo? Assim, se eu tiver gente entre a primeira e segunda linha de pressão, os médios do adversário vão ser atraídos na pressão. Então vão libertar espaço onde eu quero vir receber (entre a linha defensiva e linha média). Se na última linha tiver gente a ir à profundidade e a ir buscar no espaço que se libertou, assim provavelmente, eu nem quero encaixar ninguém. Eu quero é ter ângulos e linhas de passe permanentes que me permitam atrair e jogar no espaço."
- "Nós temos de procurar uma forma de desconstruir o jogo adversário e ao mesmo tempo de criar desadaptações para o fazer."
- "O 3-4-3 garante largura total. A atacar eu quero que os 3 homens de trás não sejam centrais, sejam 1 central e dois laterais. Quero que subam e vão para jogo, e até troquem posições com o ala do seu lado."
- "O que me garante a mim que uma estrutura de 4-3-3 não me dá uma dinâmica que eu não queria, depende tudo da tua dinâmica!"
- "A estrutura é sempre um ponto de partida para a dinâmica de jogo."
- Sobre mudanças no sistema tático: "O que nós pretendemos é que eles (os nossos jogadores) percebam a alteração das subdinâmicas e com isto criem desadaptações no adversário."
- Sobre adversários com uma linha de 6 e ser imprevisível para o adversário: "Se calhar eu prefiro ter os meus laterais baixos, para atrair os seus alas e depois podermos entrar no espaço entre laterais e alas do adversário."
- "Eu às vezes prefiro que o meu lateral fique baixo e atraia o extremo deles, o extremo ataca a profundidade e o meu médio posiciona-se à largura, e fica logo uma situação de 2 para 1 no corredor."
- "É um erro explicar o objetivo dos exercícios, porque se tu o dizeres, eles vão-te fazer aquilo, se tu não dizeres, eles vão-te fazer mais do que aquilo. Também depende do nível, se for um nível abaixo tens que ir iluminando o caminho, quando o nível começa a ser maior, os jogadores é que iluminam o teu caminho. Esta é a diferença!"
- "Os meus olhos estão no momento seguinte, não estão no momento atual. Se a equipa tem bola, como treinador os meus olhos estão no momento de perda de bola. Se a minha equipa está ou não equilibrada."
- "Os principais referenciais de pressão podem ser passe lateralizado, passe com adversário a receber de costas, passe para o guarda redes, passe longo para o lado contrário."
- "Neste momento a minha equipa ou pressiona alto ou então espera em bloco médio. Nós queremos criar duas coisas completamente distintas. Uma que sufoca e outra que lhes dá a sensação de conforto e os convida a jogar. Até com uma equipa do meio da tabela… eles vêm e começam a jogar … e nós em transição matamos-os. O objetivo é criar desadaptações, é dar-lhe limão quando eles gostam de laranja."
- "Antes o meu jogo era só um! Momentos posse e transição defensiva. Mas às vezes não dá para fazer assim. É este o desafio, criar desadaptações."
- "Nós primeiro temos de ter uma identidade e é com base na nossa identidade que introduzimos o lado estratégico. Se nós alterarmos a identidade em prol da estratégia semana após semana, nunca vamos ter identidade."
- "As minhas equipas querem jogar curto. Mas contra adversários que nos pressionam de uma forma agressiva o engodo é o sair curto. Eu quero o curto para lhes ganhar o espaço para matar uma pressão de 5/6 homens. Quero a linha defensiva esticada lá atrás
com um ponta de lança na profundidade. Depois coloco em determinadas zonas do campo superioridade numérica e fixo os laterais em zonas de superioridade numérica. Quando me pressionarem curto eu vou-lhes aparecer nas costas. Ou seja, o importante é a intencionalidade."
- "Uma equipa que me saia sempre curto é fácil criar zonas de pressão, ganhar a bola e rapidamente criar situações de golo."
- "Se uma equipa nos pressiona alto, onde é que está o espaço? Está nas costas… então, aquilo que vou criar são exercícios para explorar o espaço na profundidade. Se defronto uma equipa que bascula muito do lado da bola e é agressiva desse lado, então vou explorar o espaço do lado contrário. Isto é o lado estratégico. Mas sempre acima o nosso jogo, a nossa identidade."
- "Contra uma equipa com dificuldades no controlo em movimentos no espaço das suas costas, então eu vou colocar um ponta de lança que saia mais em profundidade. Mas, se eu vejo que é uma equipa que os centrais não são pressionantes, gostam de ficar cómodos atrás… eu prefiro um ponta de lança que venha jogar no espaço entre a linha defensiva e a linha média e que seja mais um quarto médio, e se calhar os outros ( dois extremos) é que dão profundidade."
- "Quanto mais diversidade de soluções, quanto mais os jogadores conseguirem jogar por dentro ou por fora, maior a qualidade terá o nosso jogo."
- "O feedback é importante, mas quanto mais se sobe mais o exercício tem que operacionalizar por si próprio. O exercício tem que estimular o comportamento que tu queres. Quanto mais sobes, menos podes parar os exercícios para oferecer feedback."
- "Muitas vezes eu sinto que podemos dar o passo em frente em termos de qualidade e às vezes volta tudo para trás, por vezes numa semana a equipa perde determinados comportamentos."
- "Tu vais modelando o teu jogo em função da capacidade de resposta dos jogadores. Vais tornando o treino mais complexo ou menos complexo dependendo disso."
- "Eu acredito que as personalidades têm uma influência determinante naquilo que é o jogo que nós (treinadores) pretendemos."
- "Quando a minha equipa ganha a bola, eu não quero perda imediata. Eu dizia "desacelera e pensa", no sentido de visualizar se dá para ir rápido ou se não... então, tem que dar para ficar com bola e entrar em organização ofensiva."
- "Da forma como pressionamos com um passe vertical podemos fazer golo. E esse é o espaço que eu tenho de aproveitar. Agora também quero que a minha equipa perceba que quando esse espaço não se abre é para ficar com bola, é para desacelerar e ficar com bola."
- "Quando nós estamos em posse de bola e estamos em largura total e quero gente na área, mas não tenho ninguém forte no jogo aéreo. Tem que ser com passe atrasado, um passe diferenciado a entrar em linhas diferentes. Ou seja, os jogadores têm que identificar a linha de passe para chegar ao golo. Se tivermos dois pontas de lança fortes no jogo aéreo a chegada à área já vai ser diferente."
- "Ao longo da semana de treino para jogar com o Benfica foi organização ofensiva, pressão alta e agressiva, posse de bola e transição defensiva."
- "Eu estou sistematicamente a dizer orienta os apoios e joga em campo aberto, mas há gajos que de costas vêm mais do que eu de frente para o jogo."
- "Tomara nós jogarmos com 11 criativos, até o guarda-redes..., mas que trabalhem também para a equipa."
- "Quanto mais diversidade tivermos no nosso jogo mais dificuldade vamos causar ao adversário. É nisto que quero investir no futuro. Eu quero criar diversidade de contextos."
- "A Atalanta joga com referências individuais e não com marcações individuais a campo inteiro."
- "Porque é que a Atalanta está a ter tanto sucesso? Porque desmonta aquilo que as equipas trabalham. Levas com aquilo que não estás habituado e tens dificuldade em te adaptar."
- "Do ponto de vista da comunicação ainda não estava preparado para ser treinador principal do Porto, mas do ponto de vista tático e estratégico sentia-me preparadíssimo."
REDIGIDO POR: Diogo Coelho
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