HÁ IDADES PRA TUDO. ATÉ PARA FICAR NO BANCO!
- Pensar o Jogo
- 15 de abr. de 2022
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Com o advento da Ética a adentrar pelos clubes, nunca se falou tanto de justiça. Mas também nunca se pensou muito sobre ela. O que é isto do treinador ser justo? Dar as mesmas oportunidades a todos? Colocar todos a jogar o mesmo tempo de jogo? Não deixar ninguém de fora? Tratar todos da mesma forma por igual? Caminhamos em vários aspetos e cada vez mais na sociedade para uma diferenciação entre as pessoas e para a valorização dessas mesmas diferenças, como características únicas e irrepetíveis em qualquer outro ser humano. Ora, se o centro da nossa ação no Desporto é a diferenciação e o potencial de cada um, temos de dar a cada um, o que cada um necessita para fazer desabrochar o seu potencial. E isto é dar o mesmo a todos? É que ao Manuel, eu posso ter de dar mais tempo de prática deliberada e ao Joaquim mais tempo de prática lúdica. O João pode precisar de mais investimento na preparação física e o António de mais treino de preparação mental. E reclamar para o António o mesmo tempo de prática deliberada do Manuel, ou o mesmo tempo de prática lúdica do Joaquim é diminuir as assimetrias do seu desenvolvimento desportivo? Ou é acentuá-las? É que, a justiça, quando distribuída de forma igual por todos, pode não ser muito justa. Então para os pais que, gostam imenso de reclamar tempos de jogo iguais para todos, eu tenho uma resposta: «Ter o mesmo tempo de jogo num determinado jogo, pode ser um contratempo.» O atleta deve jogar o tempo para o qual esteja preparado.
Era fácil se o treinador tivesse de decidir apenas o ficar no banco e a desmotivação dos que lá ficam (ou a alegria!). O problema é que as tomadas de decisão do treinador por norma, são sempre dilemas, onde têm de pesar variáveis, todas elas importantes para uma dinâmica equilibrada das equipas e ao mesmo tempo de cada atleta. Às vezes, têm de decidir entre a motivação de uns e a necessidade de outros; entre o expor o atleta à dificuldade ou evitar expô-lo à humilhação que iria sofrer.
Se todos os pais pensam que jogar o mesmo é um direito, porque é o mais justo, teríamos de pressupor que, para que isso fosse realmente um direito, todos teriam de estar nas mesmas condições de jogar. Todos teriam de ter o mesmo nível de condição física; o mesmo nível de habilidade mental; o mesmo nível de capacidades; o mesmo nível de empenho; o mesmo nível de talento; o mesmo nível de atitude; o mesmo nível de confiança… mas não há equipas niveladas, especialmente na formação desportiva!
Não, não basta ir ao mesmo número de treinos! Isso são as oportunidades onde cada um pode crescer, mas não significa que, por terem as mesmas oportunidades, as vão aproveitar de forma semelhante.
Os pais são, portanto, em alguns momentos atraiçoados pelo seu pensamento lógico:
- «Se ele não jogar tanto como o outro, vai ficar triste.»;
-«Se ele não jogar tanto como o outro, é injusto»;
Esquecendo-se de contrabalançar a lógica com o pensamento hipotético:
- «Estará ele realmente triste por não jogar?»;
-«Estará ele preparado e confiante para jogar?»
Por outro lado, os pais, apenas têm a preocupação com os seus filhos, mas no Desporto, sobretudo no coletivo, existem os filhos dos outros. Por vezes, o mais justo que um treinador pode fazer é mesmo deixar um atleta no banco. Porquê que ele tem de jogar só por jogar? Porquê que ele se vai esforçar durante a semana se sabe que joga o mesmo tempo que todos os outros? Porquê que ele tem de jogar, mesmo não querendo ou não se sentindo preparado? Porquê que ele tem de jogar, mesmo não sabendo executar o que é pretendido?
Há atletas até que ficam tristes porque ficaram no banco e ao mesmo tempo contentes por terem ficado no banco. Difícil de perceber? Ficam tristes, porque os pais estão zangados e chateados e sentem que lhes defraudaram as expetativas, mas ficam felizes porque sabem que não o mereciam, porque sabem que não estavam preparados… Sim, esta dicotomia acontece na prática e não é rara!
Para os pais, por outro lado, o problema não é exatamente o filho não ter jogado, ou não ter jogado tanto tempo. O problema é não saberem o que dizer ao filho por ele não ter jogado. O problema é terem feito muitos quilómetros em vão e terem perdido tempo que podiam ter investido noutra coisa qualquer. O problema é sentirem-se diminuídos perante os outros pais por não terem tido o filho a jogar. O problema está muitas vezes nos próprios pais e na ausência de estratégias para se regularem emocionalmente.
Mas deixar o atleta no banco é sempre uma boa opção em todas as idades? Não. Sobretudo com crianças pequenas.
As crianças pequenas não têm desenvolvido ainda sistemas cognitivos que lhes permitam avaliar o seu merecimento ou não, até porque para uma criança pequena, um maior esforço é sempre proporcional a um melhor desempenho. A criança está também a aprender, a construir o seu sentimento de competência e não jogar pode ser demasiado desencorajador para continuar a trabalhar na sua evolução. Uma criança iniciante, precisa sempre de experiência para se sentir confiante e capaz. E uma criança pequena também não tem mecanismos de regulação emocional bem desenvolvidos que lhe permitam aceitar e tolerar esse desgosto, (sobretudo se contínuo!) interpretando-o à luz dos argumentos válidos, mas incompreensíveis (para ela) do treinador. Uma criança pequena tem muita dificuldade em tomar a perspetiva dos outros e por isso, a sua perspetiva é quase sempre a certa (para ela!), tendo por isso dificuldade em perceber a perspetiva dos outros quando esta difere da sua; o que dificulta o papel do treinador e as possíveis explicações que lhe possa dar para que fique o jogo no banco.
Se há idades em que ficar no banco durante o jogo pode ser uma boa opção, por outro lado, há outras idades em que isso não é de todo aconselhável. Há idades pra tudo! Até mesmo para ficar no banco!
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