E se o pai do Griezmann tivesse desistido?
- Pensar o Jogo
- 13 de nov. de 2021
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Estava farto de ver o Griezmann a sofrer, a ser recusado em todo o lado devido à sua estrutura física e estatura. Fazíamos kms em vão, as viagens eram cansativas e ele vinha toda a viagem de regresso a chorar no carro. Estava farto de o ver sofrer. Quando me ligaram depois do amigável com o Paris Saint-Germain a dizer que havia um lugar para ele no clube espanhol Real Sociedad, estive mesmo para mentir ao Antoine, e dizer que afinal já não estavam interessados, porque tinha muito medo que fosse mais um fracasso. Mas todos os dias o Antoine me perguntava: Já ligaste para eles, pai? Não consegui mentir-lhe, porque ele continuava a insistir que queria muito.»
E se o pai do Griezmann tivesse desistido?
O documentário sobre a história do Griezmann marcou-me bastante e fez-me refletir em alguns aspetos sobre o papel e o suporte da família na construção da carreira desportiva. Nunca se apontou tanto o dedo aos pais e a verdade é que, talvez, nunca os pais se envolveram tanto como hoje nas atividades desportivas dos filhos.
A meu ver, a sociedade passou por algumas mudanças na sua mentalidade coletiva. Uma delas é o facto de antigamente ser raro os pais equacionarem a possibilidade de alguém «viver» do desporto e subvalorizarem o seu papel na construção de um projeto de vida, empenhando as suas energias noutras direções; o desporto não era valorizado no currículo da escola sendo uma prática comum de rua, um aspeto lúdico do desenvolvimento; o mercado do desporto não movimentava tantos milhões como hoje em dia e a discrepância de salários em relação a outras profissões não era tão díspar, sobretudo no futebol; a visibilidade dada ao desporto também não mexia tanto com os «social media», o desejo de fama e de reconhecimento; a própria valorização da componente intelectual em detrimento da componente motora era por demais evidente, onde o conceito de inteligência era agregado à componente intelectual e apenas mais tarde se veio alargando a outras áreas.
De uma maneira geral, de lá para cá, muitas transformações culturais, sociais, científicas e políticas contribuíram para que os pais se tornassem mais envolvidos na participação desportiva dos filhos. Esta envolvência desenha-se num «continuum» de comportamentos que vão desde o subdenvolvimento, com ausência de comprometimento emocional, financeiro e funcional ao superenvolvimento, onde não existe separação dos seus desejos, fantasias e necessidades dos desejos e necessidades dos seus filhos.

Na literatura científica que explora a relação entre sucesso desportivo e o papel dos pais, as atitudes positivas destes, bem como a facilitação ao nível cognitivo da interpretação das experiências desportivas são relevantes para o sucesso dos filhos. Na minha perspetiva, que decorre do documentário sobre o Griezmann, e do discurso do seu pai, posso acrescentar que, um pai ou uma mãe deve sempre saber gerir-se emocionalmente e, em alguns momentos, na bela gíria, «ter cabeça fria e coração quente», para que, em momento algum o peso de uma decisão passe pela própria dificuldade em lidar com a situação, ao invés da dificuldade real da criança; para que o instinto de proteção não se sobreponha ao ganho de transpor uma barreira; para que o medo do fracasso não se sobreponha à transcendência; para que o seu projeto de vida não se sobreponha ao projeto de vida da criança, mas antes possa dançar e conciliar-se harmoniosamente com ele.
As lições que este trecho da história do Griezmann nos pode ensinar: 1. Uma decisão pode alterar todo um projeto de vida;
2. Ajudar não significa sofrer em conjunto, mas compreender o sofrimento e ajudar a gerar alternativas para o enfrentar;
3. Uma oportunidade que, no imediato, nos possa parecer uma oportunidade para o fracasso, pode virar um sucesso;
4. Existe sempre alguém que consegue ver o mesmo que nós. Ver além;
5. As crianças conseguem realizar «milagres»;
6. Escola e desporto são duas coisas importantes e envolvem aptidões diferentes. Pra quê relevar uma ou outra?;
7. As crianças dão-nos grandes lições sobre resiliência, sucesso e luta pelos sonhos e nós devemos aprender com elas (informem-se sobre o que fazia a mãe do Steven Spielberg quando ele era pequeno!);
8. Rejeitar com base numa característica, sem avaliar as outras, inseridas num global é correr o risco de rejeitar um diamante em bruto que apenas precisa de ser polido ou encontrar o lugar certo para ser encaixado;
9. Dificuldade é um conceito diferente de pessoa para pessoa e de adulto para criança;
10. Contextos diferentes, valorizam características diferentes. Há sempre um contexto onde cada um de nós, pode ser o melhor.
Redigido por Diana Jorge
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