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Construção de Jogo em Ataque Posicional

Um Problema com Resolução – Contexto, Ideias e Mecanismos



Ás vezes confunde-se bastante o sair a jogar, o tentar manter a posse de bola ou o procurar garantir superioridades em várias zonas do campo” Fernando Gago


Ao ver e ouvir a partilha do antigo internacional argentino e, atualmente, treinador do Racing Club de Avellaneda, Fernando Gago, aos microfones da ESPNArgentina, rapidamente veio-me à cabeça a quantidade de equipas que, hoje em dia, procuram sair a jogar desde trás, com passes curtos logo a partir do guarda-redes sem que com isso entendam o porquê de o estar a fazer.

A expressão “futebol romântico”, que diz respeito a um futebol associativo e ligado através de sucessivos passes, está muito em voga no contexto atual. No entanto, são muitas as equipas que o procuram realizar logo na sua construção de jogo sem que a equipa esteja preparada posicionalmente para o fazer.

Assim, trago a debate alguns dos problemas gerados no momento de construir jogo perante uma pressão alta e ativa do adversário: Será que sair a jogar tem obrigatoriamente de ser curto? O passe longo é só uma forma de despejar bolas e afastar o perigo da nossa baliza? Qual a importância dos vários tipos de vantagem neste momento do jogo?


  • O Conhecimento que o Passado nos transmite…

O Futebol é, na sua essência, uma arte de interpretação e conquista de espaços, criação de vantagens e busca por um denominador comum a todos os seus intervenientes – marcar muitos golos e sofrer poucos. Quando se fala em espaços e posse de bola no futebol, estamos, na realidade, a falar de um dilema geográfico que será resolvido por quem ocupar todas as zonas, corredores e sectores do relvado de forma mais racional.


Uma das grandes doenças do futebol moderno reside na ideia de que jogar com qualidade passa pelo facto de se construir curto a partir do guarda-redes. Na realidade, basta uma breve análise pelas principais equipas do continente europeu para se entender que existem equipas competentes em ataque organizado, como existem equipas competentes a jogar em ataque rápido ou com um jogo mais direto.


Jogar desde trás não é sinónimo de beleza e muito menos de qualidade, há que se criar condições aos jogadores para o fazer, interpretar que ritmo adotar neste momento, que espaços são necessários para se sair de uma situação de risco elevado e pressing alto ou onde estarão as vantagens para se chegar aos últimos terços do campo.


O pensamento sobre o jogo conheceu, ao longo do tempo, diferentes contextos. No entanto, através de uma revisão de literatura verificamos que já em 1935, Cândido Oliveira, na sua obra “Football Técnica e Táctica” defendia o jogo como um rendilhado de triângulos, interligações criadas entre os vários intérpretes dentro do campo, tal como aconteceu mais tarde com Rinus Michel na Laranja Mecânica de 1974, ou no FC Barcelona do início dos anos 90 ou da era Guardiola.



Desta forma, esta proposta surge com o objetivo de desconstruir, principalmente, um dos sub-momentos da organização ofensiva – a Construção de Jogo – sem dissociá-la dos restantes - criação e finalização - para que seja mais facilmente entendida, interpretada e treinada.


  • Construção de Jogo Ofensivo – Compreender o contexto


Com o objetivo de contrariar o pressing adversário com critério e qualidade é necessário ter sempre em conta três variáveis – espaço, tempo e número. Um dos principais erros cometidos quando se procura jogar desde trás é o facto de a equipa estar toda concentrada num espaço, com linhas muito baixas e próximas, ou seja, com menos espaço para jogar, convidando o adversário a pressionar e a provocar o erro em zonas muito próximas da nossa baliza, ditas zonas de risco. Se existe menos espaço, existirá, consequentemente, menos tempo para decidir corretamente.



Na verdade, para uma construção de sucesso é necessário criar situações favoráveis em termos espaciais, temporais e numéricas para se chegar ao golo, provocando instabilidade defensiva no adversário e criando situações próximas da baliza adversária, mantendo a posse de bola o máximo de tempo possível.


Os jogadores devem-se sentir confiantes para jogar desde trás com a bola controlada. Para além dessas características, os jogadores devem ser potenciados de forma a ter capacidade de interpretar os momentos em que se deve e pode mudar os ritmos de jogo, principalmente quando se deve ou não acelerar jogo.

Com o intuito de interpretar todo o contexto envolvente, é essencial manterem-se serenos e pacientes de maneira a entrar no bloco defensivo do adversário no momento certo, sendo essencial garantirem vantagens/superioridades, sejam elas numérica, posicional ou qualitativa. É importante que a equipa tenha sempre soluções para jogar em todas as zonas do campo. Mais do que as claras vantagens que podemos tirar de uma superioridade numérica, é relevante que os jogadores mais adiantados se mostrem enquanto apoios frontais ao portador da bola, servindo de ligações para ultrapassar as linhas de pressão (vantagem posicional). Outra é canalizar o jogo para zonas do campo em que os nossos jogadores tenham clara vantagem qualitativa perante os adversários diretos (capacidade de drible em 1x1, velocidade, força, estatura, etc.)



Outros fatores de sucesso para uma construção limpa é a implementação de dois princípios inerentes a praticamente todas as equipas que optam por um ataque posicional – o princípio do homem livre e do 3º homem. O primeiro diz-nos que o jogador deve, sem oposição, conduzir a bola para atrair e fixar adversário. Esta decisão permitirá a um colega de equipa que estava marcado fique sem oposição e colocar-se em diagonal em relação à bola (perfilado) de forma a poder receber bola num espaço entre-linhas. A dinâmica do 3º homem procura ser uma forma de criar perigo e ultrapassar opositores através do espaço interior com a intervenção de 3 atletas, procurando ficar com a bola de frente para os defesas.



  • Subprincípios Coletivos da Construção de Jogo Ofensivo


1. Campo Grande


Ocupações racionais do espaço, com os jogadores bem distribuídos no terreno de jogo - centrais abertos, laterais projetados nos respectivos corredores em função dos avançados. Os 3 avançados devem-se posicionar à profundidade, a empurrar ao máximo a linha defensiva adversária para trás, com foco para o ponta-de-lança que pode se posicionar para lá da linha defensiva, uma vez que não há fora de jogo nesse momento do jogo - Profundidade ofensiva.


2. Interpretar a Pressão


Os jogadores devem ser convidados a analisar o contexto que o jogo oferece. Interpretar a pressão do adversário, isto é, se pressionam com 1, 2 ou 3 jogadores, se estão a convidar a jogar por dentro ou por fora e verificar onde é que poderá garantir superioridade/vantagem na fase de construção – numérica, quando, por exemplo, o MD baixa para entre os centrais para garantir uma situação de 3x2, ou espacial, quando garante uma linha de passe vertical aos centrais nas costas da pressão adversária. Desta forma, os centrais e guarda-redes devem ter uma boa visão panorâmica do campo e os médios devem ter a capacidade de mexer muitas vezes a cabeça, mexer pescoço, ler por cima do ombro, interpretar de onde vem a pressão para a seguir poderem tomar uma decisão consoante estes fatores. Na inviabilidade de ser solução para os jogadores do sector mais recuado, deve libertar espaços para outros colegas aparecerem nesse espaço.



3. Criação de Espaços e Determinar Vantagens


Sair a jogar de trás com a bola controlada utilizando as linhas de passe dos centrais, assumindo-se como primeiros criadores de jogo. Na impossibilidade ou no risco de o fazer existe a possibilidade do Médio defensivo baixar para ajudar na construção fazendo ligação com os centrais especialmente se adversário tiver 2 avançados a pressionar “Saída Lavolpiana”. Os laterais deverão adaptar sempre o seu posicionamento de forma a ser solução exterior aos centrais ou aos médios, possibilitando que um dos Médios centro baixe para ajudar. Para além disso, caso as soluções mais curtas não garantam uma saída limpa, o guarda-redes e centrais devem procurar uma solução mais à frente, nas costas da 1ª ou até mesmo 2ª linha de pressão do adversário de forma a começar a construir mais à frente no terreno.


4. Variabilidade de Jogo Interior e Exterior – Circulação da bola


Os jogadores devem demonstrar paciência na circulação de bola para criar condições para poder jogar para a frente. Quanto à tomada de decisão, os jogadores devem ir variando as suas decisões criando instabilidade e dúvidas ao adversário, ora jogando por dentro ora por fora. No entanto, num carácter sugestivo, os jogadores devem dar preferência a sair a jogar no corredor central já que dessa forma permanecem no corredor da baliza e consequentemente do golo mas, também, por os espaços laterais serem muitas vezes zonas de pressão para os adversários. Os médios devem-se posicionar nas costas da 2ª linha de pressão e no tempo certo mostrarem-se para jogar na frente ou ao lado do adversário. Numa perspetiva de equilíbrio defensivo e de prevenção de perda de bola, o central e lateral do lado contrário da bola assumem um posicionamento no corredor central. Se adversário fechar corredor central significa que existe espaço por fora – mexe com o adversário movimentando a bola.



  • Subprincípios Individuais da Construção de Jogo Ofensivo

  1. Passar a bola com uma intenção e posicionar-se de imediato para a acção seguinte. Oferecer solução ao colega para que a bola continue em movimento e a equipa continue a controlar e a dominar a posse de bola e o jogo. Por vezes há que passar e movimentar-se, outras vezes há que passar e ficar parado;

  2. Os guarda-redes devem evitar fechar campo, isto é, devem manter as suas costas para a baliza mantendo-se sempre de frente para o adversário;

  3. Centrais abertos e a ver jogo sempre de frente. Com espaço devem procurar fixar adversário procurando homem livre.

  4. Os passes dos centrais para os laterais ou médios devem ser sempre para o pé mais longe do adversário de forma a facilitar a recepção e posterior condução;

  5. Passar a bola para o colega recebê-la em movimento;

  6. Quando o Central avança com bola o médio-defensivo deve compensar a sua posição e os restantes elementos da defesa devem ajustar posicionamento para prevenir perda de bola;

  7. Os médios devem procurar jogar de perfil, virtude que permitirá sempre interpretar o que acontece no centro de jogo e ler o que acontece nos sectores mais avançados do campo, antecipando a sua decisão antes da bola chegar aos seus pés;

  8. Laterais devem manter as costas para a linha lateral mais próxima, procurando interpretar de onde vem a bola e de onde vem a pressão;

  9. Utilização da dinâmica do Homem livre e de 3º Homem. Centrais provocam adversário, convidam-no a pressionar, para libertar bola para homens livres ou procuram ligar entre linhas de forma a que um dos médios ou avançados receba a bola de frente para os defesas.

Um dia, ouvindo Johan Cruyff, ele disse que os jogadores mais importantes para uma equipa jogar bem com a bola na sua posse são os seus defesas. Se saíres com qualidades, poderás jogar bem; se você não o fizeres, não tens qualquer hipótese. Johan acreditava que o que equilibra o jogo é a bola. Se a perderes muitas vezes, terás uma equipa desequilibrado. Perde poucas, e tudo será equilíbrio.”
Michele Tossani



Licenciado em Ciências do Desporto FCDEF-UC | Mestre em Treino Desportivo para Crianças e Jovens FCDED-UC | Treinador UEFA B | Experiência em todos os escalões de futebol, de sub7 a Seniores, enquanto Treinador Principal, Treinador-Adjunto e Coordenador Técnico Eirense (2010-11), EAS-Coimbra (2012-14), Academia N10 (2014-18), Académica OAF (2018-2021), Clube Condeixa e Sporting CP - AFS Coimbra (época 2021-2022).

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