É comum dizer-se que os ataques ganham jogos e as defesas ganham campeonatos. A ideia subjacente à frase estará correcta, contudo não devemos ser literais na apreciação da mesma. Até porque o futebol moderno não se compadece com equipas que procuram dar-se ao luxo de confiar todo o seu processo defensivo apenas nos defesas ou nos defesas e médios defensivos (sendo o PSG o melhor exemplo).
Significa isto que a nossa apreciação deverá ser muito mais holística, de modo a podermos analisar as “defesas que ganham campeonatos” como toda a equipa no seu momento defensivo, seja em organização, seja em transição, e não apenas a linha de quatro ou cinco defesas e/ou a linha de quatro ou cinco defesas e o(s) médio(s) defensivo(s).
Partindo dessa premissa, penso que podemos procurar perceber o que distingue as equipas de elite (crónicas candidatas a vencer todos os troféus internos e parte significativa das competições europeias em que participam) das restantes, tenham elas mais ou menos orçamento, joguem elas um futebol mais directo ou apoiado, seja em Inglaterra, Alemanha ou Portugal.
Creio que, antes de apresentar alguns números, talvez seja importante enumerar as características que, na minha opinião, ajudam a determinar equipas e trabalhos de elite.
Uma equipa de elite deve funcionar como um todo, de forma interligada, com e sem bola. O que significa que uma equipa de elite defende de forma a potenciar o seu ataque e ataca de forma a proteger a sua defesa. Daí considerar, dentro dos momentos de organização, as coberturas defensivas e as coberturas ofensivas fundamentais para o sucesso colectivo, havendo ainda outro “pormenor” que ajuda a definir a excelência destas equipas: um sistema de compensações eficaz e bem trabalhado.
Ao mesmo tempo, e porque o futebol não se esgota nos seus momentos de organização, uma equipa de elite deve ser muito competente na sua transição ataque/defesa. O que pode significar uma forte reacção à perda, conjunta e estrutural, com pressão alta e recuperação de bola junto à baliza do adversário, uma forte reacção à perda sectorial com pressão alta para permitir reposicionamento dos restantes sectores, uma forte reacção à perda intersectorial com pressão alta para permitir reposicionamento sector defensivo, um “simples cortar de linha de passe” que permite a equipa reposicionar-se de forma conjunta após perda de bola em zona de criação ou construção, enfim, existem inúmeras formas de atestarmos comportamentos defensivos que ajudam a exemplificar uma equipa de elite.
Daí os números que se seguem não surpreenderem (com especial destaque para o número de remates por jogo concedidos aos adversários), acabando por ajudar a corroborar parte daquilo que referi anteriormente, se juntarmos os dados aos comportamentos que podemos verificar em campo, semana após semana...
Em Inglaterra, as equipas que dominam a Premier League nos últimos cinco anos são...Manchester City e Liverpool. Dois treinadores distintos, duas ideias de jogo diferentes, dois modelos de jogo muito diferentes, mas curiosamente ambas passaram a ser o topo da elite em terras de Sua Majestade após se terem aproximado naquilo que mais as distinguia: os citizens tiveram um upgrade na sua organização defensiva com a chegada de Rúben Dias e com pequenos ajustes posicionais introduzidos por Guardiola, que lhes permitiram melhorar as coberturas ofensivas; os reds passaram a controlar melhor o jogo com bola após o upgrade técnico-táctico levado a cabo por Klopp, que lhes permitiu ser mais competentes em ataque posicional. Ambas as equipas passaram a defender melhor, porém uma redefiniu-se em termos defensivos e outra redefiniu-se em termos ofensivos.
Ainda naquele que muitos consideram a liga mais espectacular do mundo, reparar nos dados estatísticos do Manchester United e ver o que se passa em campo dá-nos uma clara ideia do porquê de estar tão longe do topo, não?
É o crónico candidato ao título na Alemanha, mas nem por isso deixa de ter um comportamento defensivo superior aos seus adversários. E em comparação com a época anterior, os actuais números sugerem uma melhoria no capítulo defensivo (média de 10.1 remates concedidos em 2020/2021 face aos actuais 8.9 de uma época ainda em andamento).
O FC Porto, naquela que será a sua época mais encantadora do ponto de vista ofensivo na era Sérgio Conceição, permite menos remates à sua baliza do que o campeão da época anterior. O Sporting CP permite um remate por jogo a mais do que em 2020/2021 e o SL Benfica também piorou nesse parâmetro, passando de 9.2 para 9.7 remates concedidos à sua baliza por jogo.
Trago-vos os números da Ligue 1 para mostrar uma das várias razões para o insucesso do projecto parisiense. Se olharmos para o top 10 deste ranking, apenas duas equipas concedem mais remates à sua baliza do que o PSG.
O que nos leva ao início deste artigo. Ninguém duvida das qualidades de Hachimi, Marquinhos, Kimpembe, Nuno Mendes, Verrati, Paredes ou Danilo. Mas ninguém pode esperar vencer com tranquilidade se todo o processo defensivo da equipa estiver assente sobre quatro, cinco ou seis unidades, enquanto o restantes caminham e desfilam a sua classe e falta de compromisso para com a sua própria equipa. Internamente (e mesmo aí...) ainda vai dando para vencer o campeonato, mas dificilmente veremos o PSG a conquistar a Liga dos Campeões enquanto não melhorar o seu processo defensivo. Mesmo com Neymar, Messi, Di Maria, Mbappé e Icardi na frente de ataque.
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