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O Mito do Equilíbrio


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Ah, o equilíbrio. O argumento utilizado sempre que um treinador se vê obrigado a justificar a entrada de um defesa ou médio de cariz mais defensivo em detrimento de um avançado ou de um médio criativo. Esse escudo protector que visa corroborar o recuo em demasia de linhas quando já não se consegue atacar. Essa capa invisível que procura camuflar insuficiências atacantes através do abdicar do momento ofensivo em prol do “segurar o empate” e do “defender os três pontos até à morte”.


Já repararam que não importa qual o modelo de jogo nem quais as opções disponíveis no banco para que, na Flash Interview (F.I.) ou na Conferência de Imprensa (C.I.), ouçamos o treinador A justificar que o jogador X entrou porque era preciso equilibrar a equipa perante a maior avalanche ofensiva do adversário? Ou que era preciso dar mais equilíbrio ao sector intermediário porque não estavam a conseguir “ter bola”? Ou que era preciso equilibrar o jogo directo, repleto de bolas longas e cruzamentos desde a linha do meio-campo que o adversário costuma fazer nos últimos dez minutos quando está à procura do empate ou da vitória?


Um treinador que aposta maioritariamente no ataque rápido e no contra-ataque fá-lo porque, por norma, a sua equipa sente-se confortável sem bola e mais confortável no momento da transição defesa/ataque. No entanto, nos jogos menos bem conseguidos, aqueles em que não consegue ligar rapidamente o jogo e accionar as saídas rápidas para o ataque e contra-ataque, e perante a maior avalanche ofensiva do adversário, este treinador, especialmente nos últimos dez minutos, opta por substituir o seu único box-to-box com capacidade para chegar às zonas de finalização ou o seu único médio ofensivo adaptado a extremo (crime lesa-pátria) e lança mais um médio defensivo.


Vencendo, empatando ou perdendo, quando questionado acerca do porquê de tal opção, avança com o argumento equilíbrio. Diz algo do género, “o adversário estava a aparecer com mais unidades junto da nossa área e sentimos a necessidade de equilibrar a equipa com a entrada do X, porque ele é mais agressivo, ganha mais duelos e é melhor no jogo aéreo defensivo”. Está justificada a opção pelo equilíbrio…com base naquilo que o adversário estava a conseguir fazer e não com base naquilo que a sua equipa deveria estar a fazer, mas não estava a conseguir…


Um treinador cujo modelo de jogo assenta na posse e na circulação de bola, com boas ligações intersectoriais, com critério, com boas trocas posicionais, com boas dinâmicas ofensivas vê a sua equipa ser incapaz de fazer aquilo que mais gosta e para o qual tanto trabalha ao longo da semana. Não só vê essa incapacidade para ter bola, como percebe ainda que está a ser “vítima” de constantes e perigosos contra-ataques por parte do adversário.


Ao intervalo ou já no decorrer da segunda parte, e sem conseguir melhorar o contexto competitivo daquele jogo, o que costuma fazer este treinador? Equilibra a equipa. Como? Retira uma ou duas unidades mais criativas/cerebrais e coloca dois jogadores raçudos e combativos. Porquê? De acordo com o treinador, na F.I. ou na C.I., “a equipa não estava a conseguir ter bola e estava a expor-se bastante aos contra-ataques do adversário. O Y e o Z são bastante mais agressivos sem bola e mais fortes na transição ataque/defesa e por isso tirei o F e o G, pois estavam a ser incapazes de ligar o jogo”. Uma vez mais, está justificada a opção pelo equilíbrio. E uma vez mais, essa opção advém do que o adversário estava a fazer…


E quando um treinador sabe que o adversário, a perder e nos últimos dez minutos, vai usar o famoso “chuveirinho”, abusando de bolas longas e de cruzamentos desde a linha do meio-campo e opta por baixar as suas linhas e deixar o opositor chegar à linha do meio-campo para “bombear” bolas para a sua grande área, onde onze estoicos homens aguardam acantonados e de braço dado quais Spartans no filme “300”?


Finda a partida, depois de acabar o jogo sem avançados, extremos e médios ofensivos, independentemente do resultado (sendo óbvio que o semblante, o tom de voz e a paciência diferem consoante o score final), o treinador justifica-se novamente com o equilíbrio: “sabíamos que o adversário ia procurar chegar ao golo através do jogo directo e bombeado e então decidi reforçar o corredor central defensivo, na defesa e no meio-campo, de modo a equilibrar a equipa e prepará-la para o «chuveirinho» adversário”. Once again, decisão tomada com base no comportamento ofensivo do adversário…

Três cenários distintos e reais. Três discursos já ouvidos e à espera de voltarem a acontecer numa F.I. ou numa C.I. perto de si. Três comportamentos reactivos presentes em três discursos reactivos.


Não, não existem argumentos infalíveis nem verdades absolutas no Futebol. Todos os caminhos são válidos para a obtenção do objectivo a que cada um se propõe e todas as opções são válidas no sentido de corroborar esses mesmos caminhos. Mesmo que haja alguma incoerência e/ou alguma incongruência entre aquilo que se trabalha e as opções que se toma durante um jogo.


Mas cada vez mais me convenço que, se há mitos em Futebol, o mito do equilíbrio é um dos maiores e mais comuns…



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Licenciado em Comunicação Social, possuidor do Nível II (UEFA B), defensor acérrimo do Processo de Treino e eterno apaixonado pelo futebol ofensivo. Treinador Principal com dez anos de experiência de treino. Co-fundador do Futebol Apoiado. Colunista do ZeroZero.pt . “Romântico”, “lírico” ou “utópico”, consoante a ideologia defendida por cada um, mas acima de tudo um ser humano coerente, congruente e de convicções fortes inabaláveis.

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