"A expetativa exacerbada é a maior inimiga do jogador de futebol no alto rendimento". Não é uma frase minha, mas li num livro que nem sequer me lembro do nome. Não concordo em completo com ela, porque existem atletas com uma capacidade mental tal, que se alimentam, crescem e ultrapassam a expetativa inicial. No entanto, a verdade é que a expetativa elevada é, de facto, um contratempo para muitos jogadores. Passou-se isso com Everton.
O ex-Grémio veio com um cartel de destaque: uma das figuras de proa na Copa América conquistada pelo Brasil, uma copa Libertadores, convocado pela seleção do Brasil com regularidade e o jogador mais valorizado do Brasileirão.
A capacidade de desequilíbrio, definição e até de criação colocada na memória dos adeptos pelas exibições no Grémio e na seleção do Brasil, fazia acreditar que em Portugal, Everton seria um dos maiores destaques do nosso campeonato. No entanto, os contextos entre Brasil e Portugal são díspares. Enquanto no Brasil, o futebol é mais anárquico, as organizações defensivas são menos rigorosas e o espaço abunda, as equipas têm um maior equilíbrio entre si, disputando o jogo cara-a-cara com o adversário; em Portugal, os treinadores têm maior qualidade, as organizações defensivas são cerradas, densas e o espaço é pouco para fazer a diferença.
Nos tempos de Grémio, Everton era, maioritariamente, um desequilibrador. Ora, em Portugal, o brasileiro transformou-se num jogador diferente. É hoje muito mais aquele que define, que é eficiente no gesto técnico, que regista uma percentagem de acerto elevada e conta com maior potencial para ser decisivo no último terço. Já tinha essa característica anteriormente, mas em Portugal foi exacerbada. Agora arrisca menos nos lances individuais e no drible, preferindo jogar simples e em função do coletivo. Provavelmente até será um problema de confiança ou uma incapacidade de impor o jogo que tinha no Brasil, mas esta diferença nem por isso será má.
O 4-4-2 em que o Benfica atuava no início da temporada passada não favorecia as características do brasileiro - jogava muito recuado, com responsabilidades defensivas que não estava habituado no Brasil e num sistema que nunca tinha atuado.
No sistema de 3-4-3 Everton conseguiu mostrar maior rendimento - mais perto da baliza adversária, com menos adversários quando se virava de frente e em condições mais favoráveis para definir no último terço. O final de temporada passada foi bastante promissor, no entanto o brasileiro não conseguiu dar sequência no início desta época. O facto de ter atuado na Copa América e de não ter estado presente na pré-temporada encarnada foi algo que não o ajudou a consolidar-se no onze.
Nos últimos tempos tem faltado ao Benfica um criador, um jogador que alimente os homens da frente. Rafa, Darwin e Yaremchuk não são jogadores capazes de definir com qualidade recorrentemente , ainda para mais quando os espaços são reduzidos. O repentinismo com bola de Rafa, a velocidade e potência de Darwin e o faro de golo de Yaremchuk fazem destes três jogadores individualidades de qualidade evidente, mas que coletivamente têm dificuldade em se conectar. Falta um jogador mais cerebral que faça colar estas peças do puzzle.
Análise de Pedro Bouças à ligação ofensiva dos homens da frente do Benfica
Falou-se de Pizzi, mas o médio português não é o mesmo jogador que foi em tempos. Embora mantenha a tremenda capacidade de ser importante no último terço, tem dificuldades em zonas de criação, pouca eficiência no gesto, soma demasiadas perdas de bola e não desequilibra.
Pensar nas capacidades condicionais de Rafa e Darwin e na qualidade de Everton para os lançar, pode ser uma perspetiva diferente, mas correta e capaz de oferecer ao Benfica soluções de maior qualidade.
O jogo frente ao Braga foi perfeito para aproveitar as maiores qualidades do trio ofensivo das águias. Em transição ofensiva e com espaço para atacar de frente para a baliza, Rafa, Darwin e Everton fizeram de facto toda a diferença.
Mas e quando os espaços forem reduzidos?
Darwin oferece mais à equipa numa posição centralizado e sem a companhia de outro atacante. Em espaços reduzidos mesmo estando a melhorar ainda tem demasiado erro técnico e quando baixa não consegue dar sequência a várias jogadas. As suas características físicas são de eleição o que lhe permite ter um ataque à profundidade muito forte. Além disso, provoca um desgaste imenso ao adversário e é capaz de descoordenar uma linha defensiva pela sua abrangência de movimentos. Na posição de avançado centro, assim que aprimore as movimentações em zonas de finalização e a própria finalização, poderá tornar-se um jogador letal. Sou daqueles que acredita verdadeiramente no potencial de Darwin e vejo o melhor Benfica com ele a titular.
Tanto Rafa como Everton não são os típicos extremos de ir à linha e cruzar. Acredito que pela definição que vem aprimorando, pela capacidade de drible, pelo potencial que tem para ser cada vez mais importante na criação e no último terço (tanto no último passe como na finalização) e pelo maior enquadramento no modelo de jogo de Jesus, Everton sairá mais beneficiado em ocupar zonas interiores pela meia esquerda gozando de maior liberdade de movimentos. É verdade que ainda tem dificuldades em enquadrar-se para receber em espaços reduzidos, que, por vezes, lhe falta o andamento necessário para fugir aos adversários e que terá de aumentar a agressividade com e sem bola, mas tem capacidades mais que suficientes e o treinador indicado para potenciar estes aspetos. Por dentro e mais perto das zonas de decisão, ao invés de encostado à linha e a realizar constantemente o movimento de fora para dentro, Everton conseguiria aproveitar melhor algumas das características que ainda não demonstrou de forma consistente em Portugal.
Rafa seria o meia direita com funções obviamente distintas pelo perfil diferenciado que tem em comparação com Everton. Rafa é um jogador com uma maior abrangência de espaços, o que lhe permite poder ser o terceiro médio do Benfica. Embora não seja um criador e a definição não seja muitas vezes a melhor, a sua capacidade de progressão com bola é incrível, o que lhe permite desequilibrar no espaço interior e encontrar caminhos de perigo para ferir o adversário.
No passado falámos no site da mudança de Nagelsmann no que toca ao jogo de Leroy Sané. O treinador alemão percebeu que teria de tirar partido das características de Sané, que vinha a ser bastante contestado nos tempos de Hans-Dieter Flick a jogar como extremo esquerdo. Agora a jogar no corredor central, Sané tem maior liberdade para desequilibrar por dentro, aproveitando o seu drible, as suas características condicionais e a capacidade para ser importante na definição e finalização - soma 8 golos e 10 assistências em 18 jogos.
É esta capacidade de tirar o melhor partido de cada jogador em cada contexto que faz os treinadores. Acredito que esta tripla ofensiva vai ser cada vez mais utilizada depois do jogo frente ao Braga, veremos os frutos que o Benfica colherá.
Vídeo da autoria de Proscout
Redigido por Diogo Coelho
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