Seriam escusadas palavras para descrever o que se vê, já que talvez tenham visto imensa coisa num pequeno vídeo de apenas uns minutos, mas vamos lá à reflexão!
A criança faz. Não importa se bem ou mal. Não tem nenhum adulto para lhe dizer.
A criança faz. Não faz é sempre da mesma maneira, pois naturalmente realiza diversos ajustes motores e de movimento que lhe permitem ter a perceção se está a fazer melhor ou pior relativamente às suas experiências anteriores. Competência fortíssima que distingue os bons atletas dos menos bons, já que envolve a função executiva da flexibilidade mental. Mas adiante.
A criança faz. Não quando o adulto pede. Mas sim quando ela se sente preparada para o fazer. O que faríamos com uma criança de 4 anos que começasse a falar fluidamente? Diríamos: «Wow, espera aí um bocadinho, que ainda é cedo demais! Cala-te!»? O que faríamos com uma criança que aos 4 anos ainda não fala? Sacudiríamos a criança a dizer: «FALA, FALA, FALA, caraças!»? O momento certo é sempre quando as crianças estão preparadas.
O momento certo é sempre quando elas querem.
O momento certo é sempre quando se sentem capazes.
O momento certo é sempre espontâneo. Ás vezes o «Não quero fazer» é simplesmente o «Não consigo fazer.» «Não estou preparado para o fazer» «Apetece-me mostrar o que sei e não evidenciar o que não sei».
Imaginem o adulto no cenário do vídeo a entrar em cena: «Ei, oh miúdo, puxa esse almofadão do sofá mais para trás, põe-te aqui mais na ponta, salta agora e levanta os braços!»
Que piada é que tinha para a criança?
Na liberdade, está a vontade. Na vontade está o querer. No querer está o fazer e… no fazer está a aprendizagem. Na aprendizagem está o tentar. E no tentar está o aperfeiçoar. Imaginem um professor de matemática que só vê com palas dizer a um aluno: «Esquece! Não podes multiplicar 0 por 1! Tens de multiplicar 1 por 0?»
WTF? Não vai dar ao mesmo? Vai, mas só porque o professor quer, o aluno não pode experimentar, nem descobrir que é igual! Não pode descobrir que vai dar no mesmo resultado! Que é tão funcional de uma forma como de outra!! É muito lixado ter uma criança num treino de futebol que em vez de contornar os cones, se põe a saltar por cima deles! É desconcertante, porque os outros vêm e querem fazer o mesmo. Mas, e se em vez do treinador começar a gritar e dizer pra ela não fazer aquilo, pra voltar pra fila e que é com a bola que tem de contornar os cones; o treinador parar, observar a criança e dizer: «Espetaculo! Já saltas tão alto! Já consegues não bater nos cones! Muito bem! Vamos agora tentar fazer isto (o exercício pedido)?»
Qual a diferença? Conseguiram perceber? Aquela criança consegue saltar. Está feliz porque consegue saltar. Talvez saltar seja a única coisa que consegue fazer dos exercícios que o treinador está a pedir e talvez seja um mecanismo de fuga pra não se sentir mal por não conseguir realizar mais nada. Se o treinador souber aproveitar isso, ganha uma criança pra sempre. Senão, perde uma criança para sempre. Se um treinador de futebol souber aproveitar isto, o futebol pode ganhar um talento futuro. Se não, o futebol pode perdê-lo. Desporto não é só Desporto. Futebol não é só futebol.
Ser um treinador fora do normal não é ser nada de especial. É pensar primeiro na criança e depois no resto. O problema é que o normal, virou incomum. E o comum é mesmo muito anormal!
Para treinar os mais pequenos, tem de se ser Muito Grande!
Redigido por Diana Jorge
Psicóloga Clínica e da Saúde, com especialização em Psicologia do Desporto, membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Entusiasmada pelo «jogo» de futebol e sobretudo pelo desenvolvimento saudável das crianças, curiosa desde pequena e aprendiz da vida, faz desenhos com letras...E os desenhos escritos falam pela sua criatividade.
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