Liderança e Adversidade
- Pensar o Jogo
- 7 de nov. de 2021
- 4 min de leitura

Sempre disse, em todos os clubes que orientei, que é nas adversidades que vemos o verdadeiro carácter do grupo de trabalho. Dos sub-17 aos Seniores, e ao longo de dez anos de treino, fiz-me sempre acompanhar por esta “máxima pessoal” por acreditar verdadeiramente que é nos momentos mais difíceis que as pessoas demonstram a sua verdadeira essência. Sendo que a essência do grupo de trabalho está umbilicalmente ligada à forma como o mesmo é liderado.
No Futebol, numa análise objetiva e tratando-se de um desporto coletivo com inúmeros interesses individuais, esses momentos tanto podem servir como mola impulsionadora para o crescimento coletivo da equipa (com melhores performances coletivas e individuais e, consequentemente, melhores resultados desportivos), como podem assumir proporções demasiado complexas e fraturantes, levando a divisões internas de balneário e a uma desconfiança constante não só do processo em si, mas também de quem o lidera. Pela própria pessoa, mas mais ainda pela forma como lidera o processo.
E por processo não nos podemos cingir apenas à criação do processo de treino. Criar um microciclo estruturado, de acordo com as ideias e os princípios que norteiam o modelo de jogo, é claramente a parte menos complexa da arte do treino. Muito mais complexo do que isso é a sua operacionalização, a forma como se dá vida às ideias, aos princípios e ao modelo de jogo em si. Porque as ideias, ainda que vivas e dinâmicas na cabeça de quem as cria (por norma e dada a multidisciplinaridade das equipas técnicas modernas, todos contribuem para isso), carecem ainda da sua execução. E é aqui que, entre tantos outros momentos, começamos a ver como se processa a liderança.
O tipo de feedback, o timing do feedback e a linguagem corporal (do emissor e do recetor), por exemplo, são indicadores de estilos de liderança. Quando assentes numa inteligência emocional bem desenvolvida, são ferramentas essenciais para a gestão de todo o processo de treino, desde a criação do microciclo (ou mesociclo ou morfociclo, consoante as ideologias de cada um) até à maneira como são criadas as redes de (inter)ligação emocional entre todos os elementos que constituem o grupo de trabalho.
Pode parecer fácil e até simplista, mas não é. De todo...Basta atentarmos ao que acontece em alguns clubes de topo, do futebol nacional e mundial, para perceber que o sucesso e o insucesso vai muito mais além da bola que bate no poste e entra ou da bola que bate na trave e sai. O sucesso e o insucesso, dentro de toda a subjetividade inerente às suas próprias definições e ao contexto em que as queremos aplicar/analisar, está muito mais dependente da forma como a liderança é exposta nas adversidades e como antecipa ou reage às mesmas do que se pode imaginar.

Em Barcelona, desde que Luis Enrique deixou o comando técnico dos catalães, as lideranças que sucederam ao atual selecionador espanhol foram todas postas em causa. Abanaram, tremeram, caíram (não obstante o período diretivo conturbado, o qual não explica nem justifica de forma cabal as constantes desavenças internas no seio do grupo de trabalho). Nenhum treinador conseguiu suplantar as adversidades que surgiram no seu caminho. Não colocando em causa conhecimentos técnico-táticos nem estilos de jogo, a verdade é que as lideranças de Valverde, Setién e Koeman, por exemplo, não resistiram às adversidades. E não terá sido apenas pela acumulação de resultados menos positivos? Por exibições menos bem conseguidas? Por renúncia ou desprezo ao ADN culé? Sinceramente, não acredito nisso.
Acredito que estes treinadores não resistiram porque falharam em termos de liderança. Porque não conseguiram criar a empatia necessária com os jogadores para que estes pudessem abraçar as suas ideias como sendo as “nossas” ideias. Porque não conseguiram criar laços emocionais suficientemente fortes para que houvesse uma sintonia total de valores, ideias, princípios, sub-princípios que pudessem reagir à vitória com a mesma tranquilidade e serenidade com que se deve reagir à derrota.

Na Luz, e desde há umas semanas a esta parte, a desconfiança e a tensão aumentam a cada dia que passa. Com os resultados desportivos que todos temos testemunhado e, mais recentemente, com rumores de alegados episódios de descontentamento do grupo de trabalho em relação à forma como têm sido liderados.
A alusão aos resultados desportivos não é ingénua. Nem é casual. É, não só factual, como também fundamental. Porque todos sabemos que as vitórias escondem/camuflam debilidades. Porque todos sabemos que os resultados ajudam a disfarçar lacunas e a “varrer para baixo do tapete” os “cacos” de algo que já caiu e não está devidamente solidificado ou as peças que teimam em não encaixar no puzzle. Tal como todos sabemos que é nos momentos menos bons (leia-se, com resultados menos bons) que surgem estes episódios
Em ambos os casos, em Camp Nou e na Luz, o que está verdadeiramente em causa não são as exibições, o investimento desportivo, os resultados ou os modelos de jogo. Em ambos os casos o que está e tem estado em causa são as lideranças. Porque se os resultados espelham essencialmente o trabalho desenvolvido em campo (treino e jogo, não querendo entrar na parte da alimentação, descanso, recuperação, etc), a reação às adversidades espelham genuinamente a liderança exercida junto, dentro, no e sobre o grupo de trabalho.
Redigido por Laurindo Filho
Comentários