Hoje, no percurso de carro, ao levar o meu filho para o seu treino de futebol, já a noite se vislumbrava, comecei (uma vez mais) a pensar em futebol. Comecei a pensar nos últimos jogos que têm acontecido em Portugal e entretanto, na rádio, passava um programa com comentadores de futebol… Falava-se do Benfica B ter perdido em casa do Feirense, jogo justamente no dia da saída de Jorge Jesus do Benfica e da transferência de Nélson Veríssimo da B para a A dos encarnados, deixando órfãos os mais novos. Equipa que tem feito uma grande época, demonstrada até pelo 1º lugar que ocupa na II Liga (SABSEG).
Alguém dizia que esse acontecimento do dia não terá afetado os jovens da B, porque caso Veríssimo tivesse sido expulso também estaria fora do campo...e que os jogadores não se podem/devem deixar afetar por isso...enfim...a minha reflexão continuou mesmo depois de ter deixado o meu filho no treino e ter ido ao supermercado comprar uns legumes para a sopa… E já eu vinha cozinhando uns pensamentos sobre todo este potencial de reflexão!
Chegado a casa, peguei no jornal “A BOLA” de domingo, e ao ler a última página, já há muitos anos da responsabilidade Jorge Valdano, senti uma harmonia e vontade de devorar o artigo…
Vinha eu a pensar sobre Veríssimo, sobre os seus jogadores… O que terão sentido nesse dia? Como se terão inter-relacionado durante esse dia após saberem que o seu treinador/líder não iria estar com eles no jogo do fim do dia? E, mais… não voltaria a ser o seu treinador deles, porque assumiria a equipa A até final da época! Tem impacto ou não? Podem/Devem os jogadores ou não sentir este acontecimento?
Na minha opinião é inevitável que o foco dos jogadores se tenha alterado.
Mas, então os jogadores não são aquilo que fazem e repetem nos treinos? Não vinham fazendo uma grande época, com grandes jogos? E o treinador não esteve com eles em todos os momentos de treino até esse jogo? Então por que é que o rendimento desse jogo não foi o mesmo que noutros jogos?
“Até parecia que não tinham a mesma entrega, não foram capazes de ganhar segundas bolas, perderam quase todos os duelos, o desenvolvimento do seu jogar foi inferior ao que vinha acontecendo” ouvi eu na rádio. Então se as coisas são tão simples, para acontecerem basta que se repita, repita até se interiorizar o comportamento...porque é que naquele jogo não foi assim?
Há algo que transcende o que se treina. Um conjunto de tijolos, não faz um bom muro. Mas um conjunto de tijolos, colados entre si com cimento, já faz um bom muro. Os dois estão pintados de branco e são aparentemente iguais. Mas o segundo tem aquilo que não se vê: o cimento! É também isso que é um líder. Alguém que é capaz de unir as peças e tornar inquebrantável um grupo/equipa. Perdendo-se esse líder, é muito difícil que não se percam, pelo menos, momentaneamente várias coisas que antes estavam consolidadas.
E ler o artigo de Valdano, no seguimento deste turbilhão de pensamentos, foi como um bálsamo. Destaco as seguintes quatro frases:
- “Fazem coisas que não lhes peço, e nisso não me meto” - “Gosto de jogadores que, falando línguas diferentes, se entendem” - “Não me perguntem como o fazem”
- “Às vezes a sabedoria consiste em escolher, deixar ser e não dar importância a si mesmo”
O texto de Valdano versa sobre Ancelotti e a sua liderança no Real Madrid. A primeira frase é de Ancelotti e é sobre o que fazem no jogo, Casemiro, Kroos, Modric. As outras três frases são mesmo de Valdano.
Todas elas levam no sentido de simplificar, de colocar os jogadores confortáveis, às vezes até de parecer que o treinador se demite das suas responsabilidades. No fundo, daquela liderança naquele contexto.
Hoje existe a tendência de se parametrizar tudo, controlar tudo e, aparece Ancelotti neste Real, com estes craques a mostrar que se pode ganhar (e jogar bem) simplificando! Quiçá até, não pré-definindo tudo o que os jogadores fazem no treino e no jogo.
Quer num caso, quer noutro, a importância da liderança (e tudo o que dela emana) parece ultrapassar a qualidade do treino e a potencialidade de, através do treino, o treinador conseguir fazer evoluir um modelo de jogo.
Não será sempre assim. Não será sempre de outra forma. Mas são questões que nos devem fazer pensar e, no que a mim diz respeito, que também sou treinador, me faz perceber a importância da comunicação, da liderança, mas também do treino.
Redigido por João Ferreira
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