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A Ideia muito antes do Dinheiro



Nova conquista, novo troféu, velha conotação: vence porque tem milhões à disposição. Pouco importa a importância do título alcançado, o país em que se vence e o clube em que trabalha. A assumpção inicial e a primeira reação é sempre a mesma: vence porque tem milhões à disposição. Sendo que a segunda reação passa por um quase satisfatório “mas nunca mais venceu uma Champions”.


Faça o que fizer, Guardiola nunca será unanimemente consensual. Ganhe os títulos que ganhar, haverá sempre quem associe essas conquistas ao poderio financeiro dos clubes que o contratam e escolhem para ser a cabeça e o rosto dos seus projetos. E isso acontece porque há quem não entenda que Guardiola é diferente dos demais. Verdadeiramente diferente e não apenas sob a perspetiva de que todos somos diferentes uns dos outros.



Pela forma como consegue impor as suas ideias e o seu estilo de jogo através de um modelo de jogo complexo, ainda que assente numa premissa básica (ter bola). Pela forma como aproveita o dinheiro à sua disposição para escolher os jogadores mais potencialmente adequados às suas ideias. Pela forma como depois potencia os seus jogadores e os eleva para patamares estratosféricos de qualidade. Pelo estilo de jogo único, simbiótico, harmonioso e associativo.


É inegável que o dinheiro ajuda a ter acesso aos potencialmente melhores e mais competentes. Mas quantos treinadores não têm tido acesso a muitos milhões e não conseguem encontrar os jogadores “certos” para as suas equipas? E quantos treinadores, tendo acesso a muitos milhões e aos jogadores “certos” para as suas equipas, optam por querer dominar e controlar o jogo com bola como fazem as equipas de Guardiola?


De acordo com artigo publicado no site a Gazeta Esportiva (aqui), o Manchester City foi o clube que mais investiu em contratações nos últimos dez anos, num total de 1,584 mil milhões de euros, sendo o top 8 composto ainda por Barcelona (1,151 mil milhões de euros), PSG (1,150 mil milhões de euros), Chelsea (1,137 mil milhões de euros), Manchester United (1,018 mil milhões de euros), Real Madrid (977 milhões de euros), Liverpool (930 milhões de euros) e Juventus (920 milhões de euros).


Guardiola assumiu o comando técnico dos citizens em 2016/2017, pelo que não lhe pode ser imputada a totalidade do investimento. Aliás, no defeso da época passada e para termos uma base de comparação, o clube que mais investiu foi o Chelsea (247,5 milhões de euros), seguido do Manchester City (156,8 milhões de euros) e do Barcelona (124 milhões de euros), conforme podemos constatar aqui.


Será que, dado o investimento feito pela equipa londrina e, tendo em conta que venceram “apenas” a Champions, devemos considerar o trabalho de Thomas Tuchel (um dos melhores treinadores da atualidade) como um flop, visto não ter sido capaz de vencer a Premier League que, curiosamente, foi conquistada pelos citizens? Será que devemos associar essa conquista apenas ao dinheiro investido? E o mérito de Tuchel, das suas ideias, da sua metodologia de trabalho, da sua liderança? Certo é que não vi ninguém reagir à conquista dos blues justificando-a com o argumento “dinheiro investido”...


Quiçá isso não tenha acontecido por ser menos complexo entender e analisar a forma como atua o Chelsea do que a maneira como joga o City. Sem desprimor para o campeão europeu, claro. Mas, a verdade é que não vemos ninguém se aproximar do estilo de jogo de Guardiola. Na forma, no conteúdo, na constante reinvenção técnico-tática-posicional dos seus jogadores. Quiçá porque muitos de nós nem sequer consegue imaginar como serão idealizados os conteúdos que surgem nos treinos ministrados pelo treinador catalão (e eu incluo-me neste lote).


Creio que o trigger point que faz disparar a “arma” com o argumento do dinheiro é precisamente esse: o desconhecimento e a incapacidade para compreender como se cria, trabalha, implementa e faz evoluir algo tão próximo da perfeição. E digo perfeição porque as equipas de Guardiola também sabem jogar em ataque rápido e contra-ataque, algo que foi melhorado e aperfeiçoado com a passagem por Munique, antes da aventura inglesa.


E como não é fácil perceber como se chega ao ponto de fazer evoluir De Bruyne, Gundongan, Bernardo Silva, Leroy Sané (se hoje é exímio a jogar entrelinhas - e Naggelsmann o sabe aproveitar - bem que podem agradecer a Pep), Fernandinho, Ruben Dias, John Stones, Phil Foden, Raheem Sterling, por exemplo, então surge o argumento “dinheiro”.


Todos estes jogadores tinham muita qualidade em si, mas a verdade é que a sua “explosão” futebolística coincidiu com o aparecimento de Guardiola nas suas carreiras desportivas. Um coincidir que nada deve à coincidência, mas que muito deve à forma como vê e trabalha o jogo e à forma como os jogadores “abraçam” as suas ideias.


Ainda assim, e por mais anos que passem, por mais Champions que vença, por mais inovações que apresente, creio que haverá sempre quem associe todo o seu sucesso ao dinheiro. Haverá sempre quem alegue que gostaria de ver Guardiola a implementar as suas ideias numa equipa secundária ou menos dotada do ponto de vista financeiro.


O que eu sei é que o que podemos ver neste vídeo, frente ao Leicester de Brendan Rodgers (o mesmo que venceu o Liverpool na jornada seguinte), não depende do dinheiro. Depende muito mais das ideias e da forma como elas são operacionalizadas. Até porque antes de todo e qualquer investimento é preciso ter ideia de como, quando e onde se quer investir…


Licenciado em Comunicação Social, possuidor do Nível II (UEFA B), defensor acérrimo do Processo de Treino e eterno apaixonado pelo futebol ofensivo. Treinador Principal com dez anos de experiência de treino. Co-fundador do Futebol Apoiado. Colunista do ZeroZero.pt . “Romântico”, “lírico” ou “utópico”, consoante a ideologia defendida por cada um, mas acima de tudo um ser humano coerente, congruente e de convicções fortes inabaláveis.

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