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A Figura dos Pais Treinadores


Fonte: UEFA Foundation


Há algumas semanas no programa Quarentena da Bola, Luís Castro, o treinador do FC Shakhtar Donetsk, teve uma intervenção deliciosa acerca do futebol de formação, onde abordou especificamente o papel dos pais no processo de crescimento dos seus filhos enquanto jovens atletas.

“O jogador é contratado para treinar e não para jogar. Tem de haver um sistema de meritocracia. Se as minhas filhas podem ser piores alunas do que outras, porque é que um jogador que jogue menos bem tem de estar no mesmo contexto dos outros? Há jogadores nas equipas de formação que não são felizes porque só jogam porque os pais querem. A sua felicidade reside noutro lado que não no futebol mas pratica porque o pai quer ter um certo estatuto, não olhando à felicidade dos miúdos e sim à sua própria felicidade”.

É constante e recorrente a falta de felicidade de muitos jovens atletas no futebol de formação e, geralmente, a causa dessa problemática aponta para a figura dos pais. Não é preciso esforçarmo-nos muito para detetar disfunções na educação de um filho jogador. Basta ir a um treino ou, principalmente, um jogo e poderemos ver regularmente dezenas de pais a instruir os filhos a fazer algo que é contrário ao que foi pedido pelo treinador ou, em casos mais graves e que infelizmente já aconteceram no nosso país, termos pais a insultar os próprios filhos ou os filhos dos outros, originando momentos de pancadaria nas bancadas, com os filhos de 10 anos a assistir de forma incrédula a algo que deveria ser, acima de tudo, um momento completamente saudável.

De facto, a ideia de que todos temos um filho Cristiano Ronaldo e não sabermos admitir que ele poderá ser bom em outra coisa qualquer que não o futebol, origina um bloqueio mental deveras grave. Vivemos na sociedade da mediatização em que as redes sociais assumem um papel fundamental na difusão e expansão de tudo aquilo que fazemos e de tudo aquilo que queremos que os outros vejam. A demonstração, muitas vezes, supérflua do estilo de vida ou das atividades feitas pelos filhos é prática recorrente dos papás que julgam competir uns com os outros para verem qual dos filhos tem mais sucesso, esquecendo-se por completo que a única coisa que os deve mover é a felicidade dos filhos e nada mais.


A pressão que alguns pais colocam nos seus filhos tem raízes egoístas na vontade em que o nome do filho seja reconhecido por ter por trás um pai que “apoiou e potenciou todo esse reconhecimento”. Isto não pode acontecer. Nenhum filho deve ser aquilo que o pai queria ter sido. Uma criança deve ser aquilo que a preenche, aquilo que a define, aquilo que a faz querer viver. Ponto. Nada nem ninguém deve assumir o destino dos sonhos de uma criança, muito menos os pais cujo papel tem de ser exatamente de suporte e apoio para a concretização desse sonho, sabendo que, evidentemente, nem todos os sonhos são viáveis para toda a gente. Contudo, todos temos o direito a sonhar e todos temos o direito a tentar e o facto de isso nem sempre acontecer porque o pai ou a mãe querem que ele seja outra coisa, não é benéfico para o futuro da criança ou do adolescente que poderá nunca ser a feliz na sua atividade profissional. Devemos sempre potenciar o “luta agora para fazeres aquilo que gostas depois” e é desde criança que temos de incutir essa mentalidade nos nossos filhos.


Várias escolas de futebol tomaram medidas contra esta verdadeira praga de pais que se acham verdadeiros treinadores e que julgam saber que um golo do filho é muito mais importante quando tinha um colega sozinho no segundo poste para quem podia ter passado a bola. Algumas escolas, que viveram situações extremas no passado, realizam inclusive os seus treinos à porta fechada, em que os pais apenas trazem e vêm buscar os seus filhos ao treino. Noutras escolas, a educação dos pais assume um papel relevante que, na minha perspetiva, devia ser cada vez mais aprofundado e em que surge uma figura que deve ter uma presença cada vez mais afirmativa no futebol de formação: o coordenador da formação. O treinador não deve ser exposto a conversas com os pais da mesma forma que um treinador de uma equipa profissional não deve ser exposto a conversas com adeptos. O coordenador deve ter a capacidade de organizar encontros com os pais de forma a promover a sua própria educação no sentido de não perturbar o filho e de não o instruir a fazer algo que não tenha sido ordenado pelo treinador. Uma das grandes problemáticas é que por muito que os pais possam ser cada vez mais controlados nos treinos e nos jogos, ninguém sabe o que acontece em casa. Ninguém sabe até que ponto um miúdo chega a casa e é “massacrado” com críticas dos pais por não ter feito aquele passe ou não ter marcado aquele golo. E isso deve ser combatido de forma exaustiva porque é um problema cultural e geracional. Quanto mais rápido os pais entenderem que a sua função de pai não se esfuma só porque têm um filho jogador, mais habilitado estará o próprio filho para evoluir as suas capacidades técnicas, físicas e coordenativas de maneira a, no futuro, poder ser aquilo que ele quiser. Porque não, nem todos vão dar jogadores de futebol, mas sim, todos podem ser alguém na vida e o facto de praticar desporto desde uma idade tenra é fundamental para a sua maturação enquanto pessoa. O futebol não traz só golos e assistências. O futebol aflora componentes essenciais para a nossa vida: a competitividade, a solidariedade, o espírito de grupo, a vontade de aprender através do erro, a adoção de uma rotina e de um método, entre outros. Uma escola de futebol que se preocupe não só com a formação de jovens jogadores, mas também com a formação dos próprios pais, será uma escola que prepara os jovens para a vida (desportiva ou não) e os pais para uma visão educacional muitas vezes diferente da que adotariam.


O aumento de estatuto no seu grupo de amigos do qual falou Luís Castro é algo sintomático de uma sociedade rica de aparências e cada vez mais pobre de valores. Em muitas equipas, certas crianças só jogam porque os pais são ricos ou porque têm determinada influência sobre o clube ou sobre o treinador. Os melhores devem sempre ir a jogo num espaço competitivo independentemente da idade. Essa é a única forma de demonstrarmos às crianças que nesta vida só deve haver lugar para a meritocracia: quem trabalha mais, joga. É evidente que o futebol tem também a missão e a responsabilidade de ser um desporto inclusivo. Por vezes alguns jovens esforçam-se verdadeiramente e não têm tanto tempo de jogo como gostariam. Devem haver estratégias para os fazer ter a recompensa do esforço feito durante a semana, seja com a participação em torneios informais, seja com a marcação de jogos amigáveis. O jovem jogador quer é sentir-se num jogo, não deve estar minimamente preocupado se está numa final ou num amigável. Essa é a pureza do futebol que deve sempre estar bem patente. Esta tendência tem de mudar urgentemente ou corremos o risco de que, mais tarde, problemas sérios como a depressão surjam nos educandos porque estavam habituados, enquanto crianças, a que tudo lhes fosse dado devido à influência do pai e agora que enfrentam um “não”, dói, dado que nunca foram educados para lutar e dar o seu melhor sem tomarem nada por garantido.


A figura dos pais treinadores entra em conflito com a única figura que deve mandar num campo de futebol: o treinador. Quantas vezes não vemos o treinador dar uma indicação a um jogador e o pai dar uma indicação completamente oposta? O jovem atleta fica sempre recetivo, pois por um lado tem o seu treinador a instruí-lo, mas por outro tem o seu pai a ordenar-lhe algo. Este dilema que se forma na cabeça do miúdo é muitas vezes ignorado mas deve ser estudado, entendido e contrariado ao máximo. O jovem não tem de perceber quem é que manda ali. O pai é que tem de perceber que não tem qualquer tipo de autoridade sobre uma atividade que não é ele que controla, independentemente da intenção que tenha em ver o seu filho ser bem sucedido. É muito importante para o pai entender que no futebol de formação, ganhar é bom, mas não é o mais importante. O nome define-se a si próprio: formação. Estamos ali para formar jovens miúdos, para lhes transmitir valores do ponto de vista ético e desportivo, para eles potenciarem as suas características e melhorarem outras e, acima de tudo, para terem um espaço de competição saudável em que querem ganhar, sim, mas querem acima de tudo divertirem-se com os seus amigos.

Contudo, é também muito importante assinalar bons exemplos, pela notoriedade que conseguiram ao longo dos anos. Escolas como o Recreio Desportivo (Vila Nova de Famalicão) ou como a Metodologia TOCOF (Odivelas) são conhecidas por transmitirem bons valores não só aos jogadores como também aos seus pais, primando pela diversão aliada à vontade de aprender.

Fonte: Recreio Desportivo


É crucial, numa era marcada pela competitividade e onde os processos psicológicos passam por vários obstáculos, desde cedo, que os pais assumam um papel de apoio, compreensão e respeito não só pelos seus filhos, mas também pelas pessoas que se encarregam de os auxiliar nessa educação: sejam treinadores, professores da escola, instrutores de música, explicadores..., todos assumem um papel de relevância na formação de uma pessoa. A união de pensamentos e a consciência da responsabilidade de cada um na sua própria área de competência resultarão num miúdo feliz. E haverá algo mais bonito do que um sorriso de uma criança?



REDIGIDO POR: António Sousa

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